terça-feira, 18 de março de 2008

Desabafos de Ano Novo

O texto a seguir é o primeiro inédito postado neste blog. Foi escrito após eu voltar pra Sampa, no dia 3 de janeiro de 2008, depois de passar a “virada” no Guarujá. As idéias nele expressadas começaram a surgir em minha cabeça ainda na rodoviária, antes mesmo de eu embarcar rumo ao litoral. Tentei resistir, mas, como vocês podem perceber, foi em vão.

***

Será 2008 um ano novo de verdade?

Mais um fim de ano. Para mim, já são 19. Dizem que agora tudo será melhor. Não acredito, tudo continua angustiantemente igual, ao passo que desalentadoramente diferente. Terminais rodoviários cheios e mentes vazias. Como se o enorme barulho causado por conversa, criança ou pandeiro fosse capaz de nos preencher, de sufocar o silêncio constrangedor que insiste em nos lembrar, e sempre de modo inconveniente, de nossa impotência, nossos medos, nossos segredos, nossa imperfeição.

Celulares, milhões deles. Cada pessoa com o seu, e todos melhores que o meu. Graças a Deus. Os aparelhos são trocados constantemente, assim como os amigos, os amores, o caráter. Viva a Era do Consumo Desenfreado. A moda passou a ser os celulares que tocam músicas em volume alto, para todos ouvirem – e quanto pior a música mais alto parece ser o som. Onde foram parar os benditos fones de ouvido? As pessoas parecem não mais existir para si próprias, parecemos todos pobres coitados sacrificando-se para chamar a atenção dos demais. Todos. Capazes do mais deprimente e desesperado uivo em busca de olhares de admiração (mas agradecendo do mais profundo de nosso ser qualquer reação que ultrapasse o simples e famigerado “pouco caso”). E como me incomoda ser obrigado a compartilhar dos barulhos dos outros. Não suporto nem os meus próprios. Apareço, logo existo. Por quê?

Chegamos ao litoral sem notar o trabalho do motorista de ônibus, do vendedor de passagens, da atendente de lanchonete. Mas chegamos aonde queremos alegres e felizes, e por causa deles. Eles não chegam aonde querem, não passam a virada do Ano Novo com as pessoas que amam. Nossa culpa?

Chega a hora. A mais esperada e curiosa de todas. À caminho da praia, mãos carregam garrafas cheias de champanhe. As mesmas mãos humanas, um pouco mais marcadas pelo trabalho forçado de uma vida precária, é verdade, carregam sacos cheios. Sacos cheios de latas vazias. E cheios de sofrimento também. E acredito que muito mais cheios de dignidade e esperança que nossas garrafas de champanhe. (Digo “nossas” pois também carrego uma, e não sei dizer se sinto mais prazer ou culpa por isso.)

Sorrisos brancos, porém falsos, narizes empinados e a atenção voltada para o céu. Sempre assim, todos de olho no Céu, enquanto a miséria ao redor é ignorada, enquanto pessoas são pisadas aqui nesta Terra. Shows pirotécnicos iluminam o céu do presente. E nublam o céu do futuro. Mas para que se preocupar? É Ano Novo e, em 2008, tudo será diferente. A preocupação com o meio ambiente só cai bem nas horas vagas, deixemos nossa responsabilidade ambiental guardada junto aos moletons e casacos de lã. Afinal, não sejamos radicais. Saibamos buscar o equilíbrio e a tolerância. É preciso aceitar um pouquinho de corrupção e hipocrisia às vezes. Tudo faz bem na medida certa, apenas o que é demais faz mal. A sinceridade então nem se fala, não é? Como me custa aprender essa lição... receio ainda ter que percorrer um longo caminho até compreendê-la.

Os fogos estouram e eu, máquina com defeito, compreendo meus semelhantes cada vez menos, o que me traz a dúvida perigosa de que talvez não sejamos tão semelhantes assim. Penso em como as futuras gerações vão nos ver como imbecis. Assim como nós rimos dos mais curiosos rituais – os que destoam do nosso pretenso mundo civilizado –, eles vão gargalhar de nós, e de nossos ritos inexplicáveis. Pelo bem deles, espero que pensem assim, e que riam até doer a barriga. E que barrigas absolutamente só doam por causa disso. Que sirvamos ao menos de exemplo do que não se deve fazer.

Enquanto isso, bebo o meu champanhe pela boca e pelo nariz. Bebo tudo para esconder esse símbolo de que pertenço ao lado nobre da festa. Acabo com a garrafa que me separa dos meus iguais. Assim, consigo esquecer toda a chatice que eu mesmo escrevi acima. Abraço a todos. Desejo feliz Ano Novo até a quem não conheço. A quem gosto e a quem não gosto. E a quem não gosto nem desgosto. E, a cada gole de álcool, pareço mais perto das pessoas ao meu redor. E muito, muito mais longe do que Deus e eu esperamos dessa espécie, que surpreendentemente sobrevive mesmo perseguindo com todas as suas forças a extinção.

9 comentários:

  1. "Celulares, milhões deles. Cada pessoa com o seu, e todos melhores que o meu. Graças a Deus. Os aparelhos são trocados constantemente, assim como os amigos, os amores, o caráter."

    Adorei. Por isso reforço minha idéia de que você é foda! =)

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  2. Caracas Max tu estas com uma narrativa poetica,poxa não sabia que tinha todo esse narrativa literaria e marxista,sem ser chato!

    parabens ,jefferson

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  3. Bem, as minhas idéias boas sobre você só fazem aumentar quanto mais leio seus textos.
    Parabéns pela sua maneira tão maravilhosa de se expressar, Max!

    Faltam palavras pra classificar, e nem preciso fazer isso. Já sabe que escreve muito bem. E SERÁ, com toda a certeza, um ótimo jornalista!

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  4. Mais um texto lido....
    nem sei o que falar....
    afinal quem sou eu p/ tentar me expressar depois de ler coisas escritas por vc???
    rs
    bejooo

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  5. Ahhh..como me identifico. Sabe que também vinha do litoral e ao meu lado tinha um "desses aparelhinhos" que tocava alto...e durante a viagem pensava no que ía escrever no blog!Olhe só...
    Mas, voltando a falar de consumismo, você sabe que a moda agora é mp5...

    Compramos, compramos, compramos e depois falamos de reciclagem, coleta seletiva e afins...antes de reciclar é necessário se repensar.

    Bela explanação, até mais!

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Espero profundamente que o que você disse sobre as gerações futuras soe como uma prece aos ouvidos de Deus... que pensamentos desse tipo não povoem apenas corações de "pessoas a frente de seu tempo"

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  8. "Capazes do mais deprimente e desesperado uivo em busca de olhares de admiração."

    Adorei esta parte pois me lembrou algumas coisas que tenho lido sobre o nosso século XXI, o da informção "just in time", da globalização do acesso: em tempo real vc fala com alguem do Japão!!! Mas as pessoas nunca estiveram tão sozinhas. Buscando o sucesso profissional, e/ou acadêmico pisam nos colegas, as famílias, cada vez menores e mais afastadas, as amizades se tornaram apenas as companheiras de bares e exclamações: "tô cansado; mais um dia naquele inferno; é duro!", eh como se vc tivesse mais valor por sofrer do q por ser feliz! e, graças a tudo isso, o uivo, como vc disse, o berro desesperado por atenção aumenta exponencialmente com os lançamentos de mais celulares.

    Desculpa ter feito quase um post aqui mas nao eh dificil se inspirar com seus textos, anjo!

    bjinhus!
    Dani

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  9. Excelente post. Não há como discordar da falsidade hipócrita das datas comemorativas e como elas têm um surpreendente poder reconciliador e desmemorizador, não?
    Mas espere! Guarde um pouquinho da sua inspiração para o nosso futuro blog.

    Abraço

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