terça-feira, 30 de agosto de 2011

Antes tarde do que nunca...

O livro "Matinta, o bruxo", de Paulo César Pinheiro (sobre o qual escrevi aqui em 29/5), finalmente começa a receber por parte da imprensa a atenção que merece. Apesar de ter sido lançada oficialmente em maio, foi apenas agora, na edição do mês de agosto, que a obra recebeu atenção do "Guia Folha -- Livros, Discos, Filmes". Valeu a espera, no entanto: "Matinta, o bruxo" foi destaque da seção de ficção brasileira e levou como avaliação um justíssimo "ótimo" de Jurandir Renovato, editor da "Revista USP", como vocês podem conferir abaixo.


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Crônica de uma batalha chilena



– Queremos discutir a educação seriamente, acabar com o lucro. Até agora, a única resposta efetiva que [o governo] deu foi a violência policial.



15/08/2011


João Carlos Ribeiro Jr.*


Na praça da periferia de Santiago, no bairro Los Quillayes, vários grupos conversam entre si, cambiando pessoas e ansiedades. Um casal troca cachecóis. Ajeitam-se, sorriem. Ficam um pouco mais elegantes, mas não estão pensando nisso. Além de se esquivar do frio típico de agosto, pensam em proteger o rosto dos gases tóxicos que a polícia costuma lançar. Sentem medo de serem presos, de ficarem separados.


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As ruas da cidade são repletas de cachorros. Grandes, mansos, simpáticos. Parecem gostar da agitação e do barulho do único tambor que dita o ritmo das palavras de ordem.¡Y va a caer... Y va a caer... La educación de Pinochet! Y va a caer! Os cachorros correm ao lado da massa estudantil, vão e voltam. Chega um carro da polícia. ¡Paco, farsante! Tu hijo es estudiante! Os policiais ficam na viatura, é a primeira vez que se vê um rosnado.


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– Queremos discutir a educação seriamente, acabar com o lucro. Por isso acho que nossas reivindicações não são apenas estudantis, vão muito além. Nossos pais, professores, vizinhos sabem que se triunfarmos os prejudicados serão a minoria que ganha muita grana em cima de nós. Mas o governo não entende que o povo pode ir à rua. Até agora, a única resposta efetiva que deu foi a violência policial.


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A avenida Concha y Toro é muito larga e estica-se até os olhos espremerem-se para ver onde termina. Isso não desanima a caminhada, pelo contrário. Das seis faixas, três estão tomadas. Dos carros que precisam desviar, alguns soltam impropérios. Muitos buzinam em sinal de apoio. O entusiasmo avança.


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As músicas não param. Há um garoto magricelo à frente que puxa um novo grito quando as vozes altas escasseiam. ¡Chi! Chi! Chi! Le! Le! Le! Estudiantes de Chile! O levante da alegria, de novo. Um senhor fumante, barbas brancas vistosas, adere à passeata. Não grita a plenos pulmões. ¡A ver, a ver! Quem lleva la batuta! Los estudiantes! O los hijos de puta! Um sorriso parece um farol.


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Mais duas viaturas, a tensão se intromete. Não querem deixar a marcha seguir, mas os passos são determinados. Motocicletas de carabineros também surgem, tentam formar uma fila para forçar a passeata a ir para calçada. Parece uma barreira de areia, ridiculamente, tentando empurrar o mar.


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A juventude incita os que saem do metrô a entrar no protesto. Muitos olham atônitos, outros com simpatia. ¡Vamos, compañeros, hay que ponerle um poco más de empeño! Salimos a la calle nuevamente! La educación chilena no se vende, se defiende! Uma mulher saca o celular e verifica as horas. Talvez tenha que completar sua segunda jornada do dia, pode ser que tenha um encontro importante, pode ser que o cansaço seja demasiado. Ela cerra o punho e levanta a mão esquerda. O movimento sabe que cresce. Os estudantes aplaudem e gritam.


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Agora engrossou a fila silenciosa de carabineros. Atravancam o caminho. Formam uma barreira mais fortificada, viaturas mais alinhadas, bombas e cassetetes prontos. Caminar! Caminar! Por la calle principal! Na calçada, muitas trombadas e preocupação. Alguns aceleram o passo, outros diminuem, mas é na rua que a revolta se realiza. Mar arrebenta.


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A violência desorganiza a beleza, persegue, ataca. A correria não tem direção. Bomba. A porta do prédio está fechada e mais uma bomba explode ao lado do jovem que procura o irmão mais novo. O temor está disparado, mas ele sente o coração acalmar quando vê o caçula num grupo que entra na rua lateral sem placa. Sabe que o moleque é esperto. Sente o incômodo da fumaça e corre.


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Uma cena patética e bela. Na faixa da garota, que parece não passar dos quinze anos de idade: “Educação gratuita”. Simples, direta, a mensagem é surpreendentemente revolucionária. Um policial avança e agarra a faixa. Corajosa, a menina resiste, disputa a pequena bandeira que ela mesma fez. Enfrenta a insensata força física e a intolerância do Estado. Perdeu a faixa; fará outra.


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Estudantes são presos e as pessoas se espalham. O comércio fechou as portas. Mas a caminhada continua, mesmo espalhada. Reunião dispersa. Um grupo de garotos e garotas no ponto de ônibus, visivelmente abatidos. Um outro chega e diz para continuarem, seguirem. No apartamento do primeiro andar, de frente, a janela pra rua é aberta. Uma moça começa a bater uma imensa colher numa panela. Mais janelas se abrem.


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– É claro que tenho medo às vezes. Mas sabe uma coisa que me dá vitalidade? É pensar que estamos conectados com os eventos mais significativos de agora. Veja o que acontece no Egito, Tunísia. Veja os espanhóis indo pra praça, como nós. Eu acho mesmo que aqui há também uma primavera. Desafiamos até o inverno!

E cai na gargalhada. Agora buscam a Plaza Puente Alto. A praça é o encontro, o abrigo da revolta, e está logo ali, iluminada.


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Não se sabe se satisfeitos com as prisões ou se constrangidos com o barulho docacerolazo, das buzinas, mas o fato é que a maioria dos policiais vai embora. Os que sobram vão para uma ponta da praça. Observam e ficam em silêncio. Pensam em seus filhos? Vengan! Vengan a ver! Este no es un gobierno! Son puras leyes de Pinochet!


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Algumas pessoas falam, discursam, avaliam o ato e convocam todos para o próximo. Haverá uma passeata no centro, expectativa grande. Alguns saíram em busca da libertação dos que foram levados. Sabem que precisam ser rápidos para que eles não sejam muito castigados. A alegria topou o confronto. Nesta mesma noite, manifestações parecidas ocorreram em muitas partes de Santiago. Em todas, muitos lenços palestinos são vistos.

– Veja bem, muitos tratam isso aqui como rebeldia estudantil, não é disso que se trata. A rebeldia é um direito de todos, e está se espalhando, é a forma mais bonita de autonomia, é pura criação.


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O casal tira os cachecóis. Estão com calor porque correram um pouco. Despedem-se de três amigos e descem as escadas para entrar no metrô, de mãos dadas. Os que ficam continuam conversando.

– Você se sente numa batalha?

– Claro que sim!

– Uma batalha de ideias.

– Essa eu acho que já ganhamos. Querem comer algo?


*João Carlos Ribeiro Jr. é formado em Ciências Sociais pela USP e editor. Esteve no Chile recentemente.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Lançamento da campanha "Tarifa Zero"

Reproduzo abaixo o cartaz de lançamento da campanha "Tarifa Zero", impulsionada pelo Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL-SP). A atividade (que rola às 18h dessa próxima sexta-feira, 19/8, na Sanfran) é só o começo, porque a ideia da galera é coletar assinaturas para a aprovação do Projeto de Lei de iniciativa popular que prevê a gratuidade no transporte público por ônibus na cidade de São Paulo. Acho ótimo. Até porque, quando eu era pequeno, me intrigava o adesivinho com a inscrição "Transporte público: direito do cidadão, dever do Estado" colocado nas laterais de cada coletivo. Perguntava: se é direito, por que pagamos então? Porque uns tem "mais direitos" do que outros, responderia eu hoje ao menino ingênuo de outrora. Agora, nesses nossos dias correntes de 2011, ao passarem pelas gestões Serra e Kassab, os ônibus perderam até o adesivo, sinal de que a disposição dos governantes de turno é decididamente pelo retrocesso na promoção dos direitos sociais. Nada mais oportuno do que essa campanha do MPL, portanto, à qual eu declaro meu total apoio.


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Sobre adormecimentos e despertares




É esta a dialética do meu viver: À noite, quando estou para adormecer, despertam em mim mil esperanças. Pela manhã, no entanto, eu sou o único a despertar -- as esperanças permanecem sempre profundamente adormecidas.

Reclusão, agosto de 2011