terça-feira, 28 de setembro de 2010

Desempenho dos partidos no Congresso (ou o orgulho de votar no PSOL)

Os partidos com as melhores bancadas do Congresso

Bancadas de esquerda e centro-esquerda se destacam. PT e PSDB receberam mais votos dos jornalistas. Proporcionalmente, os melhores índices são do PSOL e do PCdoB

Sylvio Costa e Edson Sardinha


As listas dos parlamentares votados pelos jornalistas, na primeira fase do Prêmio Congresso em Foco 2009, permite uma grande variedade de leituras sobre o prestígio das 19 bancadas partidárias em atividade no Parlamento.

Considerando o total de votos computados, o PT emerge da pesquisa como a legenda com a atuação parlamentar mais bem avaliada pelos jornalistas que cobrem o Congresso Nacional. Os 176 jornalistas consultados, ligados a 49 veículos de comunicação, deram 346 votos a parlamentares do partido. O PSDB ficou em segundo lugar, com 274 votos.

Proporcionalmente, PSOL e PT foram as bancadas mais bem avaliadas. A primeira teve todos os seus quatro parlamentares (um senador e três deputados) citados pelos jornalistas. A segunda, metade de seus 90 integrantes. O mesmo ocorreu com o PHS, que teve um de seus dois representantes lembrado na votação. O PSB e o PCdoB também se destacaram com quase metade da bancada votada.

PSDB e PDT vieram em seguida, respectivamente, com 43,05% e 32,14% dos integrantes de suas bancadas destacados pelos profissionais de comunicação.

Mas os resultados permitem uma análise que vai além do aspecto meramente partidário para entrar também no campo ideológico. É uma área nebulosa, sabemos bem.

De qualquer maneira, admitindo como...

partidos de esquerda ou de centro-esquerda PT, PSB, PDT, PCdoB, PSOL, PV e PPS;

partidos de direita ou de centro-direita DEM, PP, PTB, PR, PHS e PSC; e

partidos de centro PMDB, PSDB e PRB,

chegamos à conclusão de que a esquerda e a centro-esquerda têm as bancadas mais bem avaliadas pelos jornalistas políticos de Brasília.

Os números: a esquerda e a centro-esquerda tiveram 86 (44,55%) de seus 193 congressistas citados pelos jornalistas; os partidos conservadores – de direita ou centro-direita – receberam citações para 39 (19,02%) de seus 203 representantes no Congresso citados; e os partidos de centro tiveram 62 (33,51%) dos 185 nomes no Parlamento citados.

Dos 19 partidos com representação no Congresso, três não tiveram nenhum parlamentar citado pelos jornalistas: PMN, PTdoB e PTC.

Abaixo, outros números interessantes sobre o perfil partidário dos parlamentares mencionados pelos jornalistas:

Deputados mencionados pelos jornalistas (total de votos por partido)

PT – 177 votos (26,22%)

PSDB – 93 (13,78%)

PSOL – 79 (11,70%)*

PSB – 76 (11,26%)

PMDB – 58 (8,59%)

PCdoB – 57 (8,44%)

PV – 48 (7,11%)

DEM – 43 (6,37%)

PDT – 15 (2,22%)

PPS – 8 (1,19%)

PR – 7 (1,04%)

PTB – 5 (0,74%)

PP – 4 (0,59%)

PSC – 4 (0,59%)

PHS – 1 (0,15%)

Senadores mencionados pelos jornalistas (total de votos por partido)

PSDB – 181 votos (19,13%)

PT – 169 (17,86%)

DEM – 159 (16,81%)

PMDB – 146 (15,43%)

PV – 89 (9,41%)

PDT – 77 (8,14%)

PSB – 54 (5,71%)

PP – 16 (1,69%)

PSOL – 15 (1,59%)**

PTB – 14 (1,48%)

PR – 14 (1,48%)

PRB – 5 (0,53%)

PCdoB – 5 (0,53%)

PSC – 2 (0,21%)

Total de votos por partido nas duas Casas do Congresso

PT – 346

PSDB – 274

PMDB – 204

DEM – 202

PV - 137

PSB – 130

PSOL – 94

PDT – 92

PCdoB – 62

PR – 21

PP – 20

PTB – 19

PPS – 8

PSC – 6

PRB – 5

PHS -1

Percentual dos integrantes de cada bancada votados pelos jornalistas

PSOL - 100%

PT - 50,00%

PHS – 50,00%

PSB - 48,38%

PCdoB - 46,15%

PSDB - 43,05%

PDT - 32,15%

PV - 28,57%

PMDB - 27,77%

PTB - 23,33%

PPS - 23,07%

DEM - 22,85%

PRB – 20,00%

PSC – 20,00%

PP – 12,5%

PR - 14,58%

* Lembrando que o PSOL tem apenas 3 deputados federais (de 513).
** Lembrando que o PSOL tem apenas 1 senador (de 81).

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Festival de música

Sexto Prêmio Bravo! de Cultura

Quem gosta do Manoel de Barros levanta a mão. Ou, melhor, quem gosta do poeta acesse o link do prêmio e vote. O Manoel merece -- e agradece.

E a "desresposta" do campo majoritário da gestão

Como já era de se esperar, a parcela majoritária da gestão não respondeu as críticas colocadas em nosso texto de balanço. Recorreram aos mesmos expedientes de sempre, com os quais já estamos acostumados depois de quase um ano compartilhando dessa espinhosa estrada. As nossas ponderações foram classificadas como "picuínhas que dizem respeito somente à disputa eleitoral", ao mesmo tempo em que nós, os autores das críticas, fomos desqualificados como aqueles que estão afastados "das atividades mais cotidianas" e com "indisposição" para a unidade.

Nada mais falso. A atuação dos companheiros reproduz uma lógica produtivista, meritocrática e utilitarista de atuação no movimento. Os que "fazem" mais (eles, é claro) têm, por uma questão de "mérito", o direito de falar o que quiser. A nós é reservada uma posição passiva de inserção no grupo, quando somos um meio útil para que eles consigam atingir o fim que desejam.

Não entrarei no mérito de que fim é este, até porque respeito os companheiros do coletivo Romper o Dia!, só não abro mão do direito de expressar as minhas concepções e convicções. Fico triste apenas de ver a assinatura de pessoas independentes muito razoáveis, como é o caso do Rafael Silveira (o "Jim") e do Marcos Campos. Eles em nada têm a ver com a parcela majoritária a qual nos referimos sempre tão duramente.

Ah, uma última observação: o texto foi digitalizado porque não houve divulgação eletrônica dele, nem prévia nem posteriormente à publicação. Na verdade, a distribuição foi bastante localizada, e conseguir um exemplar foi já uma tarefa bastante árdua. Queriam fugir à documentação. Não foi possível, aí está. Divirtam-se.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Balanço crítico à atual gestão do CeUPES (escrito por parte de sua diretoria)

Adoraria poder assinar um balanço menos contundente. Mas, nas circunstâncias atuais, tenho de dizer que fomos até condescendentes demais.


A estrada que ficou para trás e a estrada que ainda temos pela frente


“Se há um caminho para o melhor, ele exige um olhar de frente para o pior." (Victor Turner)


Antes de qualquer coisa, esclarecemos que este balanço crítico não expressa a opinião da gestão A estrada vai além do que se vê do Centro Universitário de Pesquisas e Estudos Sociais (CeUPES), o centro acadêmico do curso, mas apenas a de uma parcela de seus diretores, subscritos abaixo.

Sabemos que constituir um grupo numeroso e plural para uma gestão de centro acadêmico não é tarefa fácil. É necessário disposição para o diálogo e o consenso (para dentro e fora da gestão), o que implica a todo momento não só estar disposto a convencer mas também a ser convencido. Implica saber abrir mão de certas vontades individuais ou corporativas para que prevaleça o interesse coletivo. Esse grande desafio, quando encarado verdadeiramente como algo positivo, pode trazer experiências enriquecedoras para todos.

É compreensível que durante a estrada algumas pessoas se decepcionem por um motivo ou outro, com maior ou menor intensidade. Essa decepção pode ser com a própria posição ou com os rumos que a gestão toma. Quando a insatisfação diz respeito aos rumos tomados pelo grupo, é razoável que os insatisfeitos disputem esse rumo, uma vez que o percebem incoerente com aquilo que o próprio grupo defendia anteriormente.

Os diretores do CeUPES que assinam este texto compartilham de algumas insatisfações e têm, ao longo desta gestão, disputado os seus rumos, da maneira como lhes tem sido possível. Acreditamos que um balanço sério e honesto da gestão a ser apresentado aos estudantes do curso só pode ser feito a partir de nossa carta-programa e dos compromissos que levaram A estrada vai além do que se vê a ser eleita pela maioria dos estudantes, nos dando assim a legitimidade que sempre reivindicamos. Para nós, no entanto, essa legitimidade não é um cheque em branco, mas um compromisso calcado em bases bastante objetivas e de conhecimento público.

Muito do que consta dessas bases objetivas não foi alcançado e nós não podemos nos furtar da autocrítica, afinal só identificando e reconhecendo os erros cometidos e os motivos pelos quais eles ocorreram é que podemos amadurecer o nosso projeto coletivo e reorientá-lo naquilo em que ele estiver equivocado. Não podemos aceitar como natural que se abra um abismo entre o discurso de campanha e a prática enquanto gestão.

Defendemos a carta-programa que nos elegeu quando ela diz que é preciso “construir não apenas para, mas com todos os estudantes”. Apesar de ter sido um evento relativamente bem-sucedido, a Semana de Ciências Sociais (SeCS), por exemplo, foi construída de modo fechado, inclusive no que diz respeito aos próprios membros da gestão. Em nossa carta-programa, dizíamos que queríamos construí-la de forma ampla, “como um espaço no qual a participação de todos é realmente efetiva, tanto na realização quanto na organização da Semana”. O cumprimento do prometido, além de ser uma obrigação, teria evitado que interesses privados se sobrepusessem aos anseios, sequer escutados, do conjunto dos estudantes.

Outra proposta abandonada foi a de “inclusão do período noturno na dinâmica do curso”. Não houve discussão ou atividade alguma voltada a esse público. Ao contrário, mesmo dentro da gestão esse foi o público mais penalizado por sua ausência na dinâmica do movimento estudantil. A superação da “divisão entre estudantes militantes e estudantes de sala de aula”, outro de nossos compromissos, não pode ser concretizado sem que se tenha uma política efetiva para a inclusão dos estudantes do período noturno, em especial daqueles que trabalham ou têm outras responsabilidades fora dos muros do mundo encantado da USP.

Poderíamos tranquilamente listar uma série de outras promessas não-cumpridas, como a manutenção e ampliação de diversas atividades (Café com CeUPES, grupos de trabalho e discussão temáticos, as semanas temáticas, com exceção da Semana de Mulheres, que aconteceu e contou com abertura e diversidade consideráveis) e a política de comunicação, em que os estudantes não só receberiam as informações, mas também as produziriam. A única tentativa de produção coletiva de alguma coisa foi tirada a contragosto na única assembléia ocorrida neste ano no curso, a saber, um boletim a ser elaborado em uma comissão editorial aberta. Até hoje, embora textos tenham sido entregues, nada foi publicado. Sem contar o questionável processo de eleição para representantes discentes (RDs).

Nossa crítica, entretanto, não se pauta de forma irresponsável e irrestrita, ao que sabemos reconhecer avanços conquistados em determinados espaços, como o Escritório Piloto, que se tornou o NAE (Núcleo de Apoio à Extensão). Ele sugere uma maneira interessante de trabalhar com a inserção do cientista social na sociedade, a partir de uma visão de mundo pautada pela troca horizontal, e não a serviço de interesses unilaterais do mercado. Acreditamos, no entanto, que grande parte dos seus avanços se deve à postura de independência organizacional com relação à gestão como um todo.

Os compromissos que firmamos estão todos de acordo com a nossa concepção de movimento estudantil e aquilo que de fato esperamos de uma gestão de centro acadêmico. A atuação da gestão é o que tem destoado, e isso não podemos aceitar calados, pois assim estaríamos sendo cúmplices. É justamente por discordar do balanço oficial da atual gestão que tornamos públicas as nossas divergências e o caráter heterogêneo da composição da gestão A estrada vai além do que se vê.

Não temos aqui o interesse de lavar roupa suja ou desconstruir a unidade dos setores progressistas e consequentes do movimento estudantil, mas em nosso entendimento a gestão avançou muito pouco na concretização de suas propostas, e isso não pode ser escondido dos estudantes, em especial daqueles que, por estarem no primeiro ano, desconhecem o processo e o compromisso político que nos elegeram.

A defesa de um movimento estudantil verdadeiramente amplo e democrático foi deixada de lado e substituída por um modelo que consolida um distanciamento entre centro acadêmico e estudantes, em que a relação entre estes se dá de forma vertical, uma vez que se pratica a concepção de que os militantes sabem o caminho que deve ser trilhado pelos demais estudantes. Não entendemos que estar próximo aos estudantes signifique apenas passar recados em salas ou por meios digitais, mas sim a construção de espaços em que os estudantes não sejam apenas receptores de informação, mas participem da formulação conjunta das atividades.

Durante a estrada, abrimos mão de muitas coisas por aceitar a derrota nas discussões internas, pois sabemos que democracia não é apenas uma palavra bonita para ser utilizada quando se tem a certeza da vitória. Opiniões diversas ao longo desta gestão foram tratadas como bobagem (em manifestações literais), desconfiança ou interesses direcionados de grupos políticos (ainda que parte de nós não seja de corrente política nenhuma). Esse tipo de posicionamento nos torna bastante desesperançosos com relação à atual gestão e seguros de que a inviabilização do cumprimento de nossas propostas se deve em grande medida à falta de vontade política nesse sentido por parte da parcela majoritária da gestão.

Essa parcela majoritária já iniciou seu processo de formação de chapa para as próximas eleições e tem como público-alvo prioritário os estudantes do primeiro ano (repetindo a tática dos anos anteriores). Entendemos que é fundamental agregar esses estudantes dentro dos debates políticos que se dão em nosso curso, mas precisamos fazê-lo de forma contínua, para que a aproximação com o centro acadêmico não se dê apenas durante os preparativos para as eleições, mas durante todo o período de gestão. Precisamos ser democráticos não apenas na forma e no discurso, mas sobretudo nas nossas ações cotidianas.

Por fim, esclarecemos que não estamos rompendo com a atual gestão, por estarmos certos de que a defesa de nosso programa é a forma mais responsável e consequente de defender aqueles que confiaram em nós e em nossas propostas. Seguiremos lutando para que “todos os estudantes tenham o direito de expor sua opinião” em espaços abertos promovidos pelo centro acadêmico, sejam eles assembléias, plenárias, reuniões da entidade etc.

É importante que você, estudante de Ciências Sociais da USP, saiba que, para nós, as propostas da chapa A estrada vai além do que se vê nunca foram da boca para fora.

Assinam: Erika Ferreira de Lima, Fernanda Ortega, Gabriel Neves, Maraiza Adami e Max Gimenes

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Durkheim e a importância de fazer listas


Li hoje na Folha de ontem um interessante texto, que reproduzo abaixo, de autoria do escritor argentino Alan Pauls.

Ele aborda a importância de se fazer listas num mundo em que tanto desejos como objetos de desejo parecem ilimitados. Para ele, a lista cumpre o papel de "colocar certa ordem nos desejos", nos impedindo de "naufragar no mundo".

Concordo. E, antes do término da leitura, tenho de confessar que me vieram à mente alguns dos ensinamentos de Émile Durkheim, um dos fundadores da Sociologia.

Caso eu tivesse mais tempo, retomaria até algumas leituras, para poder fazer uma análise sociológica mais precisa. Como não tenho, serei breve: não há como não ligar essa questão das listas com a preocupação de Durkheim com o estado de anomia pelo qual passava (ou ainda passa) a sociedade.

Grosso modo, a anomia seria o estado caracterizado pela ausência de normas, onde não há uma moral total compartilhada pelo conjunto dos indívíduos que os limite em seus desejos e que sirva como referencial para a "listagem" desses desejos.

Sem essa moral, afrouxa-se a coesão social, e os indívíduos creem-se autossuficientes com relação à sociedade da qual fazem parte e sem a qual nada são.

A partir daí, a busca incessante por mais e mais leva os indivíduos a um estado de insatisfação crônica e ao afastamento dos demais. O resultado? Pode ser o suicídio anômico, do qual Durkheim trata em seu clássico O suicídio.

***

Fazer listas é colocar ordem nos desejos

Fazemos listas desde sempre, desde antes de escrever. Nenhum garoto precisa conhecer o alfabeto ou as regras de concordância para enumerar o que quer em seu aniversário.

Basta ele desejar e compreender que algo tão despótico quanto o desejo requer algum tipo de lógica. É essa a função da lista: colocar certa ordem no desejo. Uma ordem básica, simples, rudimentar, mas absolutamente decisiva. Porque, sem ela, o garoto (ou seja: nós) se perderia. Ficaria à mercê de duas imensidões oceânicas: a do seu próprio desejo (por definição ilimitado) e a de tudo o que o mundo tem para lhe oferecer.

Elementar e ao mesmo tempo milagrosa, a lista é a primeira maneira que temos de não naufragar no mundo e de não aceitá-lo como ele é. Serve para recortar o mundo, capturá-lo, deixar uma marca que fale de nós nele.

Em sua meia língua, o menino que faz aniversário pede: “Um triciclo, um Woody, um chiclete, uma bola, um dragão que cospe fogo”. Essa lista impessoal é o mais pessoal que existe, porque é a intersecção entre seu desejo e o repertório interminável de presentes que espreitam no mundo.

Não é por nada que vivemos fazendo listas. Listas de compras, de convidados, de trabalhos a cobrar, de dias de prisão que faltam ser cumpridos, de filmes a ver, de livros para as férias, de amigos com os quais gostaríamos de tomar um drinque. Nesse gênero seco, mecânico, burocrático, há uma humanidade que comove.

A lista dá voz e forma ao que há, ao que se necessita, o que se ambiciona, o que se realizou, e, nesse sentido, parece condensar quatro ou cinco núcleos de experiência nos quais a espécie toda poderia se reconhecer: desejo, memória, registro, necessidade, sonho.

PAIXÃO

Com seu estilo desafetado, monótono, de repartição pública, a lista com frequência é o testemunho mais precoce e categórico de uma paixão.

O crítico de cinema Serge Daney dizia que o verdadeiro cinéfilo não é apenas aquele que vai muito ao cinema, desenvolve gostos sofisticados e é capaz de alçar-se em armas em nome de um diretor -é sobretudo aquele que passa a experiência do cinema para a experiência da lista: aquele que não para de sistematizar sua pulsão de fã em rankings e outras práticas nas quais confluem o ardor da paixão e a rotina contável.
A suntuosa espetaculosidade do filme de Spielberg (“A Lista de Schindler”) não nos fará esquecer o que a lista de Oskar Schindler foi, o que descobriram aqueles que a encontraram na mala que, em 1974, quando Schindler morreu, reunia o que restava da sua fortuna: uma folha com 1.200 nomes escritos.

TUDO E NADA

Ou seja, um arquivo: algo que é tudo e nada ao mesmo tempo. Como é tudo e nada ao mesmo tempo a lista de desaparecidos apresentada há dois meses por uma testemunha em Tucumán, Argentina, durante o julgamento de dois dos responsáveis pela repressão ilegal movida sob a ditadura de 1976-83.

São nove páginas de tamanho ofício escritas a máquina, com os nomes de 293 pessoas. Ao lado de 195 se leem as iniciais DF (disposição final), um eufemismo para dar nome ao crime. A lista não é nada: não diz quem eram, o que faziam ou porque nunca voltaram a ser nem a fazer o que eram e faziam antes de os terem inscrito nessa folha.

Mas é tudo, porque é o primeiro dado oficial das técnicas repressoras que aparece em quase 30 anos, o primeiro que -produzido pelos próprios militares, com suas máquinas de escrever- comprova que a repressão foi sistemática e metódica. A tal ponto que, como uma inversão macabra das listas apaixonadas do cinéfilo, os exterminadores não puderam resistir à tentação de registrá-la em uma lista.

ALAN PAULS, escritor argentino, é autor de O Passado (Cosac Naify), entre outros.

Tradução de CLARA ALLAIN.