domingo, 24 de abril de 2011

A cópia fiel da humanidade

Não tenho por objetivo me alongar aqui a respeito do filme "Cópia fiel", até porque costumo ser sempre bastante honesto declarando logo de cara que entendo bulhufas da (não por isso menos querida) sétima arte. A opinião abaixo, portanto, não obedece a nenhum rigor mais "técnico", digamos assim, ainda que possa ser considerada "crítica" (uma vez que a relação sociedade/cultura/arte tem recebido ultimamente grande parte da atenção dos meus estudos).

Eu poderia simplesmente dizer que "Cópia fiel" é a cópia fiel da vida de todos nós, seres necessitados que somos de fantasia, de fuga da realidade, de experimentação, de aquisição de experiências vitais sem ter necessariamente de vivê-las de modo concreto. O filme tende a causar certo incômodo, é verdade, talvez justamente por nos deixar um pouco nus, ao retirar o véu que muitas vezes deixamos cair sobre necessidades e anseios que buscamos esconder dos constrangimentos impostos pela vida em sociedade.

Afinal, quando deixamos de ser crianças, deixamos também de nos permitir certos exercícios de livre imaginação, que seriam plenamente aceitáveis antes, mas que não estão de acordo com o padrão esperado de adultos bem-resolvidos. Como refúgio a tal limitação, existem as artes, como o cinema e a literatura, nas quais porém somos geralmente influenciados a esperar personagens e situações que, embora frutos da imaginação de alguém, sigam um padrão socialmente aceitável e simplesmente satisfaçam essa nossa necessidade por realidades paralelas, e não que a representem, como faz o filme em questão.

Seja como for, o que eu queria mesmo dizer é que um gesto de ousadia faz toda a diferença.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

A imortalidade do bom poeta

Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho (1886-1968), o nosso Manuel Bandeira, teria feito 125 anos ontem, 19 de abril, caso estivesse vivo. Mas quem foi que disse que não está? Admitindo-se a imortalidade que a boa poesia pode proporcionar a seu autor, não há porque não celebrar o aniversário de Bandeira, até porque corre-se sempre o risco de que mais cento e tantos anos se passem sem que se verse com semelhante intensidade e contundência. Abaixo transcrevo (do "Testamento de Pasárgada", organizado por Ivan Junqueira) o meu poema favorito, aquele que eu invejo, aquele que eu gostaria de ter escrito, entre todos os existentes, caso fosse possível tal escolha.


Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

-- Eu faço versos como quem morre.

(Teresópolis, 1912, "As cinzas das horas")

terça-feira, 19 de abril de 2011

Theatro Municipal e o presente de grego do Kassab

No ano em que o Theatro Municipal de São Paulo completa seu centenário de construção (e 30 anos de seu tombamento pelo Condephaat), o prefeito Gilberto Kassab caprichou na surpresa. Ele vem trabalhando, desde o ano passado, num enorme presente de grego, de fazer jus apenas à etimologia de "teatro", que por acaso vem do grego. Trata-se do Projeto de Lei 01-0009/2010, que versa sobre a criação da Fundação Theatro Municipal.

Vindo do executivo, o PL visa a passar a administração do Theatro Municipal da Secretaria Municipal de Cultura para a Fundação Theatro Municipal, por meio da criação, segundo declarações da própria Secretaria no ano passado ao "Estadão", de uma Organização Social (OS), modelo que é velho conhecido como forma heterodoxa de privatização, vide OSs na área da saúde em São Paulo e suas consequências nada sedutoras -- prestação de serviços ruim e falta de transparência no gerenciamento de recursos públicos.

A íntegra do PL pode ser acessada no site da própria Câmara Municipal: http://www.camara.sp.gov.br/index.php?option=com_wrapper&view=wrapper&Itemid=36. A votação estava prevista para quarta-feira passada, mas acabou adiada para a próxima, dia 20/4. Com isso, estudantes da Escola Municipal de Música (EMM) ganharam tempo para se mobilizar e já preparam uma manifestação para o mesmo dia, com concentração às 15h, na própria Câmara, contra o que consideram a privatização do Theatro e a mercantilização da cultura na cidade.