sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A mesma crônica para a mesma realidade

Então é Natal. Na ausência de algo novo, tanto em meus escritos como na realidade que se apresenta a nossos olhos, compartilho as mesmas inquietações de outrora, aquelas que me fizeram escrever a crônica abaixo, há mais ou menos 3 anos.

http://contrapontuando.blogspot.com/2009/12/quando-teremos-um-ano-novo-de-verdade.html#comments

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Qual seria a reação do Füher ao Wikileaks?

Nem é preciso gastar o que resta de imaginação neste fim de ano para poder visualizar a cena. Basta assistir ao vídeo abaixo, que traz um trecho do filme "A queda -- As últimas horas de Hilter" com legenda engraçadíssima e com a inacreditável coincidência da pronúncia na parte em que Hitler parece mesmo dizer "Wikileaks".

Aproveitando a oportunidade, parece que neste mês há uma entrevista sobre comunicação e democracia com Marilena Chauí na "Caros Amigos". Neste caso do Wikileaks, vale também a questão posta por Antonio Luiz M.C. Costa, da "CartaCapital": fossem os segredos de Estado vazados pelo Wikileaks relacionados aos inimigos dos EUA, Julian Assange seria tratado como herói...

Porém, como não são, o rapaz virou bandido perseguido pelo Império. Dois pesos e duas medidas, como sempre. E zero de democracia.

sábado, 18 de dezembro de 2010

De Dostoiévski para vocês

Ceticismos à parte, um conto extraordinário de Fiódor Dostoiévski. Para ler e refletir neste fim de ano.


A árvore de Natal na casa de Cristo

"Havia num porão uma criança, um garotinho de seis anos de idade, ou menos ainda. Esse garotinho despertou certa manhã no porão úmido e frio. Tiritava, envolto nos seus pobres andrajos. Seu hálito formava, ao se exalar, uma espécie de vapor branco, e ele, sentado num canto em cima de um baú, por desfastio, ocupava-se em soprar esse vapor da boca, pelo prazer de vê-lo se evolar. Mas bem que gostaria de comer alguma coisa. Diversas vezes, durante a manhã, tinha se aproximado do catre, onde num colchão de palha, chato como um pastelão, com um saco sob a cabeça à guisa de almofada, jazia a mãe enferma. Como se encontrava ela nesse lugar? Provavelmente tinha vindo de outra cidade e subitamente caíra doente. A patroa que alugava o porão tinha sido presa na antevéspera pela polícia; os locatários tinham se dispersado para se aproveitarem também da festa, e o único tapeceiro que tinha ficado cozinhava a bebedeira há dois dias: esse nem mesmo tinha esperado pela festa. No outro canto do quarto gemia uma velha octogenária, reumática, que outrora tinha sido babá e que morria agora sozinha, soltando suspiros, queixas e imprecações contra o garoto, de maneira que ele tinha medo de se aproximar da velha. No corredor ele tinha encontrado alguma coisa para beber, mas nem a menor migalha para comer, e mais de dez vezes tinha ido para junto da mãe para despertá-la. Por fim, a obscuridade lhe causou uma espécie de angústia: há muito tempo tinha caído a noite e ninguém acendia o fogo. Tendo apalpado o rosto de sua mãe, admirou-se muito: ela não se mexia mais e estava tão fria como as paredes. 'Faz muito frio aqui', refletia ele, com a mão pousada inconscientemente no ombro da morta; depois, ao cabo de um instante, soprou os dedos para esquentá-los, pegou o seu gorrinho abandonado no leito e, sem fazer ruído, saiu do cômodo, tateando. Por sua vontade, teria saído mais cedo, se não tivesse medo de encontrar, no alto da escada, um canzarrão que latira o dia todo, nas soleiras das casas vizinhas. Mas o cão não se encontrava alí, e o menino já ganhava a rua.

Senhor! que grande cidade! Nunca tinha visto nada parecido, De lá, de onde vinha, era tão negra a noite! Uma única lanterna para iluminar toda a rua. As casinhas de madeira são baixas e fechadas por trás dos postigos; desde o cair da noite, não se encontra mais ninguém fora, toda a gente permanece bem enfunada em casa, e só os cães, às centenas e aos milhares, uivam, latem, durante a noite. Mas, em compensação, lá era tão quente; davam-lhe de comer… ao passo que ali… Meu Deus! se ele ao menos tivesse alguma coisa para comer! E que desordem, que grande algazarra ali, que claridade, quanta gente, cavalos, carruagens… e o frio, ah! este frio! O nevoeiro gela em filamentos nas ventas dos cavalos que galopam; através da neve friável o ferro dos cascos tine contra a calçada; toda a gente se apressa e se acotovela, e, meu Deus! como gostaria de comer qualquer coisa, e como de repente seus dedinhos lhe doem! Um agente de policia passa ao lado da criança e se volta, para fingir que não vê.

Eis uma rua ainda: como é larga! Esmaga-lo-ão ali, seguramente; como todo mundo grita, vai, vem e corre, e como está claro, como é claro! Que é aquilo ali? Ah! uma grande vidraça, e atrás dessa vidraça um quarto, com uma árvore que sobe até o teto; é um pinheiro, uma árvore de Natal onde há muitas luzes, muitos objetos pequenos, frutas douradas, e em torno bonecas e cavalinhos. No quarto há crianças que correm; estão bem vestidas e muito limpas, riem e brincam, comem e bebem alguma coisa. Eis ali uma menina que se pôs a dançar com um rapazinho. Que bonita menina! Ouve-se música através da vidraça. A criança olha, surpresa; logo sorri, enquanto os dedos dos seus pobres pezinhos doem e os das mãos se tornaram tão roxos, que não podem se dobrar nem mesmo se mover. De repente o menino se lembrou de que seus dedos doem muito; põe-se a chorar, corre para mais longe, e eis que, através de uma vidraça, avista ainda um quarto, e neste outra árvore, mas sobre as mesas há bolos de todas as qualidades, bolos de amêndoa, vermelhos, amarelos, e eis sentadas quatro formosas damas que distribuem bolos a todos os que se apresentem. A cada instante, a porta se abre para um senhor que entra. Na ponta dos pés, o menino se aproximou, abriu a porta e bruscamente entrou. Hu! com que gritos e gestos o repeliram! Uma senhora se aproximou logo, meteu-lhe furtivamente uma moeda na mão, abrindo-lhe ela mesma a porta da rua. Como ele teve medo! Mas a moeda rolou pelos degraus com um tilintar sonoro: ele não tinha podido fechar os dedinhos para segurá-la. O menino apertou o passo para ir mais longe – nem ele mesmo sabe aonde. Tem vontade de chorar; mas desta vez tem medo e corre. Corre soprando os dedos. Uma angústia o domina, por se sentir tão só e abandonado, quando, de repente: Senhor! Que poderá ser ainda? Uma multidão que se detém, que olha com curiosidade. Em uma janela, através da vidraça, há três grandes bonecos vestidos com roupas vermelhas e verdes e que parecem vivos! Um velho sentado parece tocar violino, dois outros estão em pé junto dele e tocam violinos menores, e todos maneiam em cadência as delicadas cabeças, olham uns para os outros, enquanto seus lábios se mexem; falam, devem falar – de verdade – e, se não se ouve nada, é por causa da vidraça. O menino julgou, a princípio, que eram pessoas vivas, e, quando finalmente compreendeu que eram bonecos, pôs-se de súbito a rir. Nunca tinha visto bonecos assim, nem mesmo suspeitava que existissem! Certamente, desejaria chorar, mas era tão cômico, tão engraçado ver esses bonecos! De repente pareceu-lhe que alguém o puxava por trás. Um moleque grande, malvado, que estava ao lado dele, deu-lhe de repente um tapa na cabeça, derrubou o seu gorrinho e passou-lhe uma rasteira. O menino rolou pelo chão, algumas pessoas se puseram a gritar: aterrorizado, ele se levantou para fugir depressa e correu com quantas pernas tinha, sem saber para onde. Atravessou o portão de uma cocheira, penetrou num pátio e sentou-se atrás de um monte de lenha. 'Aqui, pelo menos', refletiu ele, 'não me acharão: está muito escuro.'

Sentou-se e encolheu-se, sem poder retomar fôlego, de tanto medo, e bruscamente, pois foi muito rápido, sentiu um grande bem-estar, as mãos e os pés tinham deixado de doer, e sentia calor, muito calor, como ao pé de uma estufa. Subitamente se mexeu: um pouco mais e ia dormir! Como seria bom dormir nesse lugar! 'mais um instante e irei ver outra vez os bonecos', pensou o menino, que sorriu à sua lembrança: 'Podia jurar que eram vivos!'… E de repente pareceu-lhe que sua mãe lhe cantava uma canção. 'Mamãe, vou dormir; ah! como é bom dormir aqui!'

– Venha comigo, vamos ver a árvore de Natal, meu menino – murmurou repentinamente uma voz cheia de doçura.

Ele ainda pensava que era a mãe, mas não, não era ela. Quem então acabava de chamá-lo? Não vê quem, mas alguém está inclinado sobre ele e o abraça no escuro, estende-lhe os braços e… logo… Que claridade! A maravilhosa árvore de Natal! E agora não é um pinheiro, nunca tinha visto árvores semelhantes! Onde se encontra então nesse momento? Tudo brilha, tudo resplandece, e em torno, por toda parte, bonecos – mas não, são meninos e meninas, só que muito luminosos! Todos o cercam, como nas brincadeiras de roda, abraçam-no em seu vôo, tomam-no, levam-no com eles, e ele mesmo voa e vê: distingue sua mãe e lhe sorri com ar feliz.

– Mamãe! mamãe! Como é bom aqui, mamãe! – exclama a criança. De novo abraça seus companheiros, e gostaria de lhes contar bem depressa a história dos bonecos da vidraça… – Quem são vocês então, meninos? E vocês, meninas, quem são? – pergunta ele, sorrindo-lhes e mandando-lhes beijos.

– Isto… é a árvore de Natal de Cristo – respondem-lhe. – Todos os anos, neste dia, há, na casa de Cristo, uma árvore de Natal, para os meninos que não tiveram sua árvore na terra…

E soube assim que todos aqueles meninos e meninas tinham sido outrora crianças como ele, mas alguns tinham morrido, gelados nos cestos, onde tinham sido abandonados nos degraus das escadas dos palácios de Petersburgo; outros tinham morrido junto às amas, em algum dispensário finlandês; uns sobre o seio exaurido de suas mães, no tempo em que grassava, cruel, a fome de Samara; outros, ainda, sufocados pelo ar mefítico de um vagão de terceira classe. Mas todos estão ali nesse momento, todos são agora como anjos, todos juntos a Cristo, e Ele, no meio das crianças, estende as mãos para abençoá-las e às pobres mães… E as mães dessas crianças estão ali, todas, num lugar separado, e choram; cada uma reconhece seu filhinho ou filhinha que acorrem voando para elas, abraçam-nas, e com suas mãozinhas enxugam-lhes as lágrimas, recomendando-lhes que não chorem mais, que eles estão muito bem ali…

E nesse lugar, pela manhã, os porteiros descobriram o cadaverzinho de uma criança gelada junto de um monte de lenha. Procurou-se a mãe… Estava morta um pouco adiante; os dois se encontraram no céu, junto ao bom Deus."


(Via http://ferrez.blogspot.com, com ajustes. Caso alguém verifique imprecisão na versão, ou reivindique os créditos da tradução, peço que entre em contato.)

E o livro virou show, de novo

Como eu já imaginava, o livro "Histórias de Canções - Toquinho", de Wagner Homem e João Carlos Pecci, virou show. A julgar pelo volume anterior, dedicado a Chico Buarque, vale a pena. Alguns perceberão que a apresentação anunciada pelo flyer abaixo ocorreu ontem e comentarão consigo próprios: esse blogueiro está ficando louco. Talvez seja verdade, mas não por isso. Esclareço: de onde veio esse virão outros. Podem acreditar. E, principalmente, se preparar. Como eu também farei.


domingo, 5 de dezembro de 2010

Fim de semestre

Incrível como tem gente hoje no curso de Ciências Sociais da USP absolutamente sensível às necessidades lúdicas, digamos assim, dos seus colegas. Com produção de Pedro Kurtz e Rafael Pacheco...



Da prova eu vou direto pra lá, é óbvio. Recomendo que quem puder faça o mesmo.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O que vi da 34ª Mostra de Cinema de SP (e o que ficou)

A 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo trouxe, como era de se esperar, ótimos (e raros) filmes ao circuito paulistano, só que por um curto período de tempo. Eu, pela correria e desorganização de sempre, quase não assisti a nenhum. Mas acabei vendo um. Uma experiência, digamos, bastante heterodoxa.

Eu cheguei ao cinema sem saber o que viria pela frente (aceitar convites de última hora dá nisso). Esperava, como os amigos que me acompanhavam, um filme que tratasse diretamente da Revolução Mexicana, com direito a Pancho Villa e Emiliano Zapata no roteiro. Não era nada disso.

O filme "Revolución" é uma série de 10 curtas-metragens feitos por 10 grandes cineastas mexicanos (até aí, estava escrito na sinopse), que teriam buscado, por ocasião do centenário da Revolução Mexicana (desencadeada em 1910), algo como um "compêndio de visões do México atual, com o objetivo de encontrar um eco daquele essencial momento da história do país [a tal da Revolução Mexicana]". Estas últimas informações eu viria a tomar conhecimento apenas no decorrer dos 100 minutos de filme.

"Revolución" é, de fato, um filme antropologicamente bastante rico. Traz à tona questões universais, sim, mas quando o faz é por meio de idiossincrasias, de especificidades locais. Não tenho por objetivo aqui falar longamente do conjunto nem de cada curta (até porque entendo muito pouco dessa tal de "sétima arte"). Gostaria, isso sim, de compartilhar a pertinência de um dos filmetes, do qual sequer me recordo o nome, para a decisão de um eleitor às vésperas do segundo turno da eleição presidencial brasileira.

No curta em questão, existia uma atendente de supermercado que não possuía os dois dentes da frente e usava uma espécie de dentadura. Isso a impedia de alcançar o mais elementar de uma realização pessoal -- a impedia de comer em público, de arrumar um namorado. Ao ser convidada para jantar por um pretendente, a moça buscou de alguma maneira conseguir um adiantamento dos patrões e fazer uma cirurgia, mas eles negaram (os caras praticavam pagamento parcialmente em tíquetes para uso na própria loja, uma coisa meio feudal). Ao procurar seus direitos, a pobre moça seria perseguida e demitida, ficando numa situação ainda pior.

A reflexão a que cheguei é muito simples: embora concorde que com o governo Lula as coisas não tenham melhorado como deveriam, e eu acho veementemente isso, ao menos algumas pessoas passaram a ter condições menos indignas de vida. Eu, como militante político de classe média, posso ter minhas convicções e lutar por elas, mas não tenho o direito de ignorar a realidade, até porque não sofro o que sofrem aqueles que estão verdadeiramente à margem desta sociedade capitalista. Muitas pessoas hoje podem sorrir devido aos paliativos do governo federal.

É fato que pouca diferença eu poderia sentir diretamente entre um governo petista ou tucano. Mas, enquanto houver alguma diferença mínima, ainda que sentida apenas por uma parcela mínima da população necessitada, eu optarei pelo menos pior. Afinal, o meu conceito de revolução é plenamente condizente com barriga cheia e dentes na boca.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Wagner Homem lança "Histórias de Canções - Toquinho"

Depois do sucesso do livro e do show "Histórias de Canções - Chico Buarque", o queridíssimo Wagner Homem lança nova obra para a coleção. Jogando luzes desta vez sobre os bastidores das criações de Toquinho, este novo livro conta com a coautoria de João Carlos Pecci, irmão do compositor. Ainda não li, mas certamente o farei após pegar hoje um autógrafo na Livraria Cultura do Shopping Bourbon Pompeia. A julgar pelo anterior, ao menos mantido o padrão, vale a pena. Recomendo.
 

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Religião no debate eleitoral?

O camarada Gilberto Maringoni resolveu utilizar seu talento afiadíssimo para abordar de um modo inusitado a relação entre religião e política. Neste momento de confusão entre uma coisa e outra, compartilho abaixo esta charge dele, que vale bastante a pena.



Via Carta Maior.

O PSOL e o 2º turno

A despeito de estar bastante satisfeito com a nota da Executiva Nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) com relação ao segundo turno das eleições presidenciais, escreverei, se tudo der certo, um texto próprio, me posicionando por uma das opções recomendadas pelo partido, o voto nulo e o "voto crítico" em Dilma Rousseff. Por ora, me limito a reproduzir aqui, ainda no espírito de fomentar o debate sobre esse importante momento político pelo qual o país passa, alguns textos de figuras públicas do PSOL.

Eu pensei em comentar cada uma das posições, mas creio que seja desnecessário, até porque farei um texto defendendo o meu próprio posicionamento. E, ademais, não quero me indispor publicamente nem com Plínio nem com Heloísa Helena, dos quais neste momento eu respeitosamente discordo.


Deliberação da Executiva Nacional: por "nenhum voto em Serra", recomenda-se o voto nulo ou o "voto crítico" em Dilma Rousseff [leia a íntegra da nota]

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) mereceu a confiança de mais de um milhão de brasileiros que votaram nas eleições de 2010. Nossa aguerrida militância foi decisiva ao defender nossas propostas para o país e sobre ela assentou-se um vitorioso resultado.

Nos sentimos honrados por termos tido Plínio de Arruda Sampaio e Hamilton Assis como candidatos à presidência da República e a vice, que de forma digna foram porta vozes de nosso projeto de transformações sociais para o Brasil. Comemoramos a eleição de três deputados federais (Ivan Valente/SP, Chico Alencar/RJ e Jean Wyllys/RJ), quatro deputados estaduais (Marcelo Freixo/RJ, Janira Rocha/RJ, Carlos Giannazi/SP e Edmilson Rodrigues/PA) e dois senadores (Randolfe Rodrigues/AP e Marinor Brito/PA). Lamentamos a não eleição de Heloísa Helena para o Senado em Alagoas e a não reeleição de nossa deputada federal Luciana Genro no Rio Grande do Sul, bem como do companheiro Raul Marcelo, atual deputado estadual do PSOL em São Paulo.

Em 2010 quis o povo novamente um segundo turno entre PSDB e PT. Nossa posição de independência não apoiando nenhuma das duas candidaturas está fundamentada no fato de que não há por parte destas nenhum compromisso com pontos programáticos defendidos pelo PSOL. Sendo assim, independentemente de quem seja o próximo governo, seremos oposição de esquerda e programática, defendendo a seguinte agenda: auditoria da dívida pública, mudança da política econômica, prioridade para saúde e educação, redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, defesa do meio ambiente, contra a revisão do código florestal, defesa dos direitos humanos segundo os pressupostos do PNDH3, reforma agrária e urbana ecológica e ampla reforma política – fim do financiamento privado e em favor do financiamento público exclusivo, como forma de combater a corrupção na política.

No entanto, o PSOL se preocupa com a crescente pauta conservadora introduzida pela aliança PSDB-DEM, querendo reduzir o debate a temas religiosos e falsos moralismos, bloqueando assim os grandes temas de interesse do país. Por outro lado, esta pauta leva a candidatura de Dilma a assumir posição ainda mais conservadora, abrindo mão de pontos progressivos de seu programa de governo e reagindo dentro do campo de idéias conservadoras e não contra ele. Para o PSOL, a única forma de combatermos o retrocesso é nos mantermos firmes na defesa de bandeiras que elevem a consciência de nosso povo e o nível do debate político na sociedade brasileira.

As eleições de 2002, ao conferir vitória a Lula, traziam nas urnas um recado do povo em favor de mudanças profundas. Hoje é sabido que Lula não o honrou, não cumpriu suas promessas de campanha e governou para os banqueiros, em aliança com oligarquias reacionárias como Sarney, Collor e Renan Calheiros. Mas aquele sentimento popular por mudanças de 2002 era também o de rejeição às políticas neoliberais com suas conseqüentes privatizações, criminalização dos movimentos sociais – que continuou no governo Lula -, revogação de direitos trabalhistas e sociais.

Por isso, o PSOL reafirma seu compromisso com as reivindicações dos movimentos sociais e as necessidades do povo brasileiro. Somos um partido independente e faremos oposição programática a quem quer que vença. Neste segundo turno, mantemos firme a oposição frontal à candidatura Serra, declarando unitariamente “NENHUM VOTO EM SERRA”, por considerarmos que ele representa o retrocesso a uma ofensiva neoliberal, de direita e conservadora no País. Ao mesmo tempo, não aderimos à campanha Dilma, que se recusou sistematicamente ao longo do primeiro turno a assumir os compromissos com as bandeiras defendidas pela candidatura do PSOL e manteve compromissos com os banqueiros e as políticas neoliberais. Diante do voto e na atual conjuntura, duas posições são reconhecidas pela Executiva Nacional de nosso partido como opções legítimas existentes em nossa militância: voto crítico em Dilma e voto nulo/branco. O mais importante, portanto, é nos prepararmos para as lutas que virão no próximo período para defender os direitos dos trabalhadores e do povo oprimido do nosso País.

Executiva Nacional do PSOL – 15 de outubro de 2010.


Plínio de Arruda Sampaio: em defesa do voto nulo [leia a íntegra da declaração]



Para os socialistas, a conquista de espaços na estrutura institucional do Estado não é a única nem a principal das suas ações revolucionárias. Em todas estas, os objetivos centrais e prioritários são sempre os mesmos: conscientizar e organizar os trabalhadores, a fim de prepará-los para o embate decisivo contra o poder burguês.

Fiel a esta linha, a campanha do PSOL concentrou-se no tema da igualdade social, o que possibilitou demonstrar claramente que, embora existam diferenças entre os candidatos da ordem, são diferenças meramente adjetivas.

Isto ficou muito claro diante da recusa assustada e desmoralizante das três candidaturas a firmar compromissos com propostas de entidades populares - como a CPT, o MST, as centrais sindicais, o ANDES, o movimento dos direitos humanos - nas questões chaves da reforma agrária, redução da jornada de trabalho sem redução salarial, aplicação de 10% do PIB na educação, combate à criminalização da pobreza.

Não há razão para admitir que se comprometam agora, nem para acreditar que tais compromissos sejam sérios, como se vê pelo espetáculo deprimente da manipulação do sentimento religioso nas questões do aborto, do casamento homossexual, dos símbolos religiosos - temas que foram tratados com espírito público e coragem pela candidatura do PSOL. Nem se fale da corrupção, que campeia ao lado dos escritórios das duas candidaturas ora no segundo turno.

Cerca de um milhão de pessoas captaram nossa mensagem. Constituem a base de interlocutores a partir da qual o PSOL pretende prosseguir, junto com os demais partidos da esquerda, a caminhada do movimento socialista no Brasil.

O segundo turno oferece nova oportunidade para dar um passo adiante na conscientização. Trata-se de esmiuçar as diferenças entre as duas candidaturas que restam, a fim de colocar mais luz na tese de que ambas são prejudiciais à causa dos trabalhadores.

O candidato José Serra representa a burguesia mais moderna, mais organicamente ligada ao grande capital internacional, mais truculenta na repressão aos movimentos sociais. No plano macroeconômico, não se afastará do modelo neoliberal nem deterá o processo de reversão neocolonial que corrói a identidade moral do povo brasileiro. A política externa em relação aos governos progressistas de Chávez, Correa e Morales será um desastre completo.

A candidata Dilma Rousseff é uma incógnita. Se prosseguir na mesma linha do seu criador - o que não se tem condição de saber - o tratamento aos movimentos populares será diferente: menos repressão e mais cooptação. Do mesmo modo, Cuba, Venezuela, Equador e Bolívia continuarão a ter apoio do Brasil.

Sob este aspecto, Dilma leva vantagem sobre a candidatura Serra. Mas não se deve ocultar, porém, o lado negativo dessa política de cooptação dos movimentos populares, pois isto enfraquece a pressão social sobre o sistema capitalista e divide as organizações do povo, como, aliás, está acontecendo com todas elas, sem exceção.

O que é melhor para a luta do povo? Enfrentar um governo claramente hostil e truculento ou um governo igualmente hostil, porém mais habilidoso e mais capaz de corromper politicamente as lideranças populares?

Ao longo dos debates do primeiro turno, a candidatura do PSOL cumpriu o papel de expor essa realidade e cobrar dos representantes do sistema posicionamento claro contra a desigualdade social que marca a história do Brasil e impõe à grande maioria da população um muro que a separa das suas legítimas aspirações. Nenhum deles se dispôs a comprometer-se com a derrubada desse muro. Essa é a razão que me tranqüiliza, no diálogo com os movimentos sociais com os quais me relaciono há 60 anos e com os brasileiros que confiaram a mim o seu voto, de que a única posição correta neste momento é do voto nulo. Não como parte do "efeito manada" decorrente das táticas de demonização que ambas candidaturas adotam a fim de confundir o povo. Mas um claro posicionamento contra o atual sistema e a manifestação de nenhum compromisso com as duas candidaturas.


Parlamentares do PSOL: opção pelo "voto crítico" em Dilma Rousseff [leia a íntegra do manifesto intitulado "Entre dois projetos", assinado por parlamentares e membros da Executiva Nacional do partido]

Os 776.601 eleitores que votaram em candidatos do PSOL aos governos estaduais, 886.816 teclaram, convictamente, Plínio 50, os mais de 1 milhão que votaram em candidatos a deputado do PSOL e os mais de 3 milhões que escolheram candidatos ao Senado pelo PSOL não precisam de ‘tutores’: são livres, têm espírito crítico e votam, sempre, de acordo com sua consciência. Os nossos mandatos, daí derivados, serão exercidos, portanto, com total independência em relação aos Executivos e na defesa radical dos interesses populares, sem adesismos e sem negação de fronteiras éticas e ideológicas. Aos poucos, o PSOL, ainda incipiente, se afirma como partido com visão singular, combinando o embate eleitoral com a valorização dos movimentos sociais, dentro de sua definição estratégica de ressignificação do socialismo.

1. Partido Político digno do nome também deve se posicionar sobre momentos conjunturais, dando assim sua contribuição para a análise da situação e para a definição de voto da cidadania. Quando a manifestação política for emergencial, limitando, por questão de tempo, o processo democrático de discussões desde a base, que ela seja tomada pela Direção, por óbvio sem qualquer caráter impositivo, até pelas razões apresentadas no item 1.

2. O 2º turno das eleições presidenciais, a ser realizado no dia 31 próximo, coloca em confronto dois projetos com muitos pontos de aproximação: o representado por Dilma (PT/PMDB e aliados) e o representando por Serra (PSDB/DEM e aliados).

3. As classes dominantes no Brasil – que exercem sua hegemonia nos planos econômico, político e de produção do imaginário social – não se sentem incomodadas por nenhum dos dois, mas preferem, clara e reiteradamente, o retorno do controle demotucano: a elas interessa mais o Estado mínimo e a privatização máxima da Era FHC do que a despolitização máxima e o Estado minimamente regulador do lulismo.

4. PSDB e DEM – para além da campanha ‘medieval’ coordenada pelo vice de Serra, que anuncia o ‘fim da liberdade de culto’ com a vitória da ‘terrorista’ candidata petista – reprimem abertamente movimentos populares e não aceitam política externa que saia dos marcos do Império. Todo o setor de oligarquias patrimonialistas ou ‘neopentescostais’ que hoje gravita em torno de Lula rapidamente se bandeará para o lado de um eventual governo Serra, assim como os banqueiros, apesar de seus lucros extraordinários e inéditos no período recente. Serra presidente é o ‘sonho de consumo político’ do conservadorismo total, uma de suas principais bases de sustentação.

5. Por tudo isso, a indicação do voto crítico em Dilma como a opção que o PSOL valoriza, respeitando porém aqueles que não quiserem ir além do “Serra não”, e afirmando desde já nossa forte cobrança programática* sobre o futuro governo nacional, qualquer que ele seja, parece a mais razoável neste momento.

* Reforma Política com participação popular, auditoria da dívida, reforma agrária, reforma urbana, 10% do PIB na Educação, mais recursos para a saúde, forte combate à corrupção, garantia e ampliação dos direitos trabalhistas, política ambiental questionadora de transgênicos, da privatização da gestão de florestas, de Belo Monte, da transposição do São Francisco etc.

Assinam: Chico Alencar, Jean Wyllys, Ivan Valente, Randolfe Rodrigues, Marcelo Freixo, Milton Temer, Eliomar Coelho, Jefferson Moura, Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, José Luiz Fevereiro, Rodrigo Pereira, Miguel Carvalho e Edson Miagusko.


Por "falta de identidade", Heloísa Helena se afasta da presidência do PSOL [leia a íntegra do comunicado]

1. Agradeço a solidariedade de muitos diante da minha derrota ao Senado (escrevo na primeira pessoa pois sei, como em outras guerras ao longo da história já foi dito "A vitória tem muitos pais e mães, a derrota é orfã!").

Registro que enfrentei o mais sórdido conluio entre os que vivem nos esgotos do Palácio do Planalto - ostentando vulgarmente riquezas roubadas e poder - e a podridão criminosa da política alagoana. Sobre esse doloroso processo só me resta ostentar orgulhosamente as cicatrizes, os belos sinais sagrados dos que estiveram no campo de batalha sem conluio, sem covardia, sem rendição!

2. Comunico à Direção Nacional e Militância do PSOL a minha decisão de formalizar o que de fato já é uma realidade há meses, diante das alterações estatutárias promovidas pela maioria do DN me afastando das atribuições da Presidência. Como é de conhecimento de todas(os) fui eleita no II Congresso Nacional por uma Chapa Minoritária, composta majoritariamente pelo MES e Poder Popular (MTL), em um momento da vida partidária extremamente tumultuado que mais parecia a velha e cruel opção metodológica das lutas internas pelo aparato diante dos escombros de miserabilidade e indigência da nossa Classe Trabalhadora. Daí em diante o aprofundamento da desprezível carnificina política foi ora transparente ora dissimulado mas absolutamente claro!

Assim sendo, em respeito à nossa Militância e aos muitos Dirigentes que tanto admiro e por total falta de identidade com as posições assumidas nos últimos meses pela maioria das Instâncias Nacionais (culminando com o apoio a Candidatura de Dilma!) tenho clareza que melhor será para a organização e estruturação do Partido o meu afastamento e a minha permanência como Militante Fundadora do PSOL, sempre à disposição das nobres tarefas de organização das lutas do nosso querido povo brasileiro! Avante Camaradas!

Maceió, 19 de Outubro de 2010

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Presentinho de Dia das Crianças: concorra a um par de convites


Faz tempo que Wagner Homem lançou o livro "Chico Buarque - Histórias de Canções". Faz tempo também que ele transformou o livro em show, no qual conta as histórias por trás das composições de Chico enquanto seu amigo Rogério Silva capricha ao violão. Tudo isso já foi dito aqui, e tanto o livro como o show foram devidamente recomendados.

A novidade que me faz voltar ao assunto é que o espetáculo chega agora à Vila Madalena, depois de passar por lugares como o Café Paon e o Teatro Fecap. Somente nesse fim de semana, sábado 16 e domingo 17, quem quiser pode conferir a apresentação no Teatro Brincante.

Eu já assisti duas vezes ao espetáculo e adoraria vê-lo novamente (e certamente o farei em outro momento). Acontece que tenho aqui um par de convites. Não sabia muito bem o que fazer com eles, mas o meu camarada Wagner se encarregou de dar uma boa ideia e resolveu a questão: por que não dar os convites a algum leitor deste humilde blogue? Pois bem, é isso que faremos.


Para concorrer ao par de convites, basta responder, via comentário ou e-mail (max.gimenes@gmail.com), a pergunta abaixo, com nome completo e contato (e-mail ou telefone). A escolha do melhor dia (sábado ou domingo) poderá ser feita pelo ganhador. As respostas serão aceitas até a meia-noite de sexta para sábado, e a escolha será feita por meio de uma espécie de triunvirato: Bruna Zapata, entre as minhas amigas a mais fã do Chico, Gabriel Calou, da editora Leya, e o próprio Wagner. Se empatar, dou-me o direito do voto de minerva. Participe!

Se você pudesse fazer parte da história da composição de alguma das canções do Chico, qual escolheria? Por quê?

(Para saber mais sobre o espetáculo e/ou o livro, acesse: http://www.historiasdecancoes.com.br/.)

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O voto de Deus

Foi por "n" motivos que Plínio de Arruda Sampaio mal alcançou 1% dos votos válidos no primeiro turno das eleições presidenciais. No entanto, também são "n" os motivos pelos quais nós cidadãos brasileiros podemos ser gratos a ele. Por ele ter resgatado o debate político sincero, por exemplo, colocando em pauta ideias e de alguma maneira furando a blindagem do sistema imposta pelo marketing político. Abaixo, uma charge publicada na "Folha" de ontem, só pra descontrair. (E não é por nada não, mas tenho cá pra mim que, se Deus existe e é brasileiro, ele teria mesmo votado 50.)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Para ajudar a amadurecer o debate sobre o 2º turno


Dois pesos...




Se o povão das chamadas classes D e E - os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil - tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos.


por Maria Rita Kehl, em "O Estado de S. Paulo" (via Portal Vermelho)


Este jornal [Estadão] teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.

Se o povão das chamadas classes D e E - os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil - tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.

Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por "uma prima" do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.

Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da "esmolinha" é político e revela consciência de classe recém-adquirida.

O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de "acumulação primitiva de democracia".

Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.

Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.


Maria Rita Kehl é psicanalista, apoiadora do deputado federal reeleito por São Paulo Ivan Valente e militante contra o retrocesso representado pela direita conservadora do país (nota minha, antes que alguém pense que isso saiu no Estadão ou no Vermelho).

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Desempenho dos partidos no Congresso (ou o orgulho de votar no PSOL)

Os partidos com as melhores bancadas do Congresso

Bancadas de esquerda e centro-esquerda se destacam. PT e PSDB receberam mais votos dos jornalistas. Proporcionalmente, os melhores índices são do PSOL e do PCdoB

Sylvio Costa e Edson Sardinha


As listas dos parlamentares votados pelos jornalistas, na primeira fase do Prêmio Congresso em Foco 2009, permite uma grande variedade de leituras sobre o prestígio das 19 bancadas partidárias em atividade no Parlamento.

Considerando o total de votos computados, o PT emerge da pesquisa como a legenda com a atuação parlamentar mais bem avaliada pelos jornalistas que cobrem o Congresso Nacional. Os 176 jornalistas consultados, ligados a 49 veículos de comunicação, deram 346 votos a parlamentares do partido. O PSDB ficou em segundo lugar, com 274 votos.

Proporcionalmente, PSOL e PT foram as bancadas mais bem avaliadas. A primeira teve todos os seus quatro parlamentares (um senador e três deputados) citados pelos jornalistas. A segunda, metade de seus 90 integrantes. O mesmo ocorreu com o PHS, que teve um de seus dois representantes lembrado na votação. O PSB e o PCdoB também se destacaram com quase metade da bancada votada.

PSDB e PDT vieram em seguida, respectivamente, com 43,05% e 32,14% dos integrantes de suas bancadas destacados pelos profissionais de comunicação.

Mas os resultados permitem uma análise que vai além do aspecto meramente partidário para entrar também no campo ideológico. É uma área nebulosa, sabemos bem.

De qualquer maneira, admitindo como...

partidos de esquerda ou de centro-esquerda PT, PSB, PDT, PCdoB, PSOL, PV e PPS;

partidos de direita ou de centro-direita DEM, PP, PTB, PR, PHS e PSC; e

partidos de centro PMDB, PSDB e PRB,

chegamos à conclusão de que a esquerda e a centro-esquerda têm as bancadas mais bem avaliadas pelos jornalistas políticos de Brasília.

Os números: a esquerda e a centro-esquerda tiveram 86 (44,55%) de seus 193 congressistas citados pelos jornalistas; os partidos conservadores – de direita ou centro-direita – receberam citações para 39 (19,02%) de seus 203 representantes no Congresso citados; e os partidos de centro tiveram 62 (33,51%) dos 185 nomes no Parlamento citados.

Dos 19 partidos com representação no Congresso, três não tiveram nenhum parlamentar citado pelos jornalistas: PMN, PTdoB e PTC.

Abaixo, outros números interessantes sobre o perfil partidário dos parlamentares mencionados pelos jornalistas:

Deputados mencionados pelos jornalistas (total de votos por partido)

PT – 177 votos (26,22%)

PSDB – 93 (13,78%)

PSOL – 79 (11,70%)*

PSB – 76 (11,26%)

PMDB – 58 (8,59%)

PCdoB – 57 (8,44%)

PV – 48 (7,11%)

DEM – 43 (6,37%)

PDT – 15 (2,22%)

PPS – 8 (1,19%)

PR – 7 (1,04%)

PTB – 5 (0,74%)

PP – 4 (0,59%)

PSC – 4 (0,59%)

PHS – 1 (0,15%)

Senadores mencionados pelos jornalistas (total de votos por partido)

PSDB – 181 votos (19,13%)

PT – 169 (17,86%)

DEM – 159 (16,81%)

PMDB – 146 (15,43%)

PV – 89 (9,41%)

PDT – 77 (8,14%)

PSB – 54 (5,71%)

PP – 16 (1,69%)

PSOL – 15 (1,59%)**

PTB – 14 (1,48%)

PR – 14 (1,48%)

PRB – 5 (0,53%)

PCdoB – 5 (0,53%)

PSC – 2 (0,21%)

Total de votos por partido nas duas Casas do Congresso

PT – 346

PSDB – 274

PMDB – 204

DEM – 202

PV - 137

PSB – 130

PSOL – 94

PDT – 92

PCdoB – 62

PR – 21

PP – 20

PTB – 19

PPS – 8

PSC – 6

PRB – 5

PHS -1

Percentual dos integrantes de cada bancada votados pelos jornalistas

PSOL - 100%

PT - 50,00%

PHS – 50,00%

PSB - 48,38%

PCdoB - 46,15%

PSDB - 43,05%

PDT - 32,15%

PV - 28,57%

PMDB - 27,77%

PTB - 23,33%

PPS - 23,07%

DEM - 22,85%

PRB – 20,00%

PSC – 20,00%

PP – 12,5%

PR - 14,58%

* Lembrando que o PSOL tem apenas 3 deputados federais (de 513).
** Lembrando que o PSOL tem apenas 1 senador (de 81).

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Festival de música

Sexto Prêmio Bravo! de Cultura

Quem gosta do Manoel de Barros levanta a mão. Ou, melhor, quem gosta do poeta acesse o link do prêmio e vote. O Manoel merece -- e agradece.

E a "desresposta" do campo majoritário da gestão

Como já era de se esperar, a parcela majoritária da gestão não respondeu as críticas colocadas em nosso texto de balanço. Recorreram aos mesmos expedientes de sempre, com os quais já estamos acostumados depois de quase um ano compartilhando dessa espinhosa estrada. As nossas ponderações foram classificadas como "picuínhas que dizem respeito somente à disputa eleitoral", ao mesmo tempo em que nós, os autores das críticas, fomos desqualificados como aqueles que estão afastados "das atividades mais cotidianas" e com "indisposição" para a unidade.

Nada mais falso. A atuação dos companheiros reproduz uma lógica produtivista, meritocrática e utilitarista de atuação no movimento. Os que "fazem" mais (eles, é claro) têm, por uma questão de "mérito", o direito de falar o que quiser. A nós é reservada uma posição passiva de inserção no grupo, quando somos um meio útil para que eles consigam atingir o fim que desejam.

Não entrarei no mérito de que fim é este, até porque respeito os companheiros do coletivo Romper o Dia!, só não abro mão do direito de expressar as minhas concepções e convicções. Fico triste apenas de ver a assinatura de pessoas independentes muito razoáveis, como é o caso do Rafael Silveira (o "Jim") e do Marcos Campos. Eles em nada têm a ver com a parcela majoritária a qual nos referimos sempre tão duramente.

Ah, uma última observação: o texto foi digitalizado porque não houve divulgação eletrônica dele, nem prévia nem posteriormente à publicação. Na verdade, a distribuição foi bastante localizada, e conseguir um exemplar foi já uma tarefa bastante árdua. Queriam fugir à documentação. Não foi possível, aí está. Divirtam-se.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Balanço crítico à atual gestão do CeUPES (escrito por parte de sua diretoria)

Adoraria poder assinar um balanço menos contundente. Mas, nas circunstâncias atuais, tenho de dizer que fomos até condescendentes demais.


A estrada que ficou para trás e a estrada que ainda temos pela frente


“Se há um caminho para o melhor, ele exige um olhar de frente para o pior." (Victor Turner)


Antes de qualquer coisa, esclarecemos que este balanço crítico não expressa a opinião da gestão A estrada vai além do que se vê do Centro Universitário de Pesquisas e Estudos Sociais (CeUPES), o centro acadêmico do curso, mas apenas a de uma parcela de seus diretores, subscritos abaixo.

Sabemos que constituir um grupo numeroso e plural para uma gestão de centro acadêmico não é tarefa fácil. É necessário disposição para o diálogo e o consenso (para dentro e fora da gestão), o que implica a todo momento não só estar disposto a convencer mas também a ser convencido. Implica saber abrir mão de certas vontades individuais ou corporativas para que prevaleça o interesse coletivo. Esse grande desafio, quando encarado verdadeiramente como algo positivo, pode trazer experiências enriquecedoras para todos.

É compreensível que durante a estrada algumas pessoas se decepcionem por um motivo ou outro, com maior ou menor intensidade. Essa decepção pode ser com a própria posição ou com os rumos que a gestão toma. Quando a insatisfação diz respeito aos rumos tomados pelo grupo, é razoável que os insatisfeitos disputem esse rumo, uma vez que o percebem incoerente com aquilo que o próprio grupo defendia anteriormente.

Os diretores do CeUPES que assinam este texto compartilham de algumas insatisfações e têm, ao longo desta gestão, disputado os seus rumos, da maneira como lhes tem sido possível. Acreditamos que um balanço sério e honesto da gestão a ser apresentado aos estudantes do curso só pode ser feito a partir de nossa carta-programa e dos compromissos que levaram A estrada vai além do que se vê a ser eleita pela maioria dos estudantes, nos dando assim a legitimidade que sempre reivindicamos. Para nós, no entanto, essa legitimidade não é um cheque em branco, mas um compromisso calcado em bases bastante objetivas e de conhecimento público.

Muito do que consta dessas bases objetivas não foi alcançado e nós não podemos nos furtar da autocrítica, afinal só identificando e reconhecendo os erros cometidos e os motivos pelos quais eles ocorreram é que podemos amadurecer o nosso projeto coletivo e reorientá-lo naquilo em que ele estiver equivocado. Não podemos aceitar como natural que se abra um abismo entre o discurso de campanha e a prática enquanto gestão.

Defendemos a carta-programa que nos elegeu quando ela diz que é preciso “construir não apenas para, mas com todos os estudantes”. Apesar de ter sido um evento relativamente bem-sucedido, a Semana de Ciências Sociais (SeCS), por exemplo, foi construída de modo fechado, inclusive no que diz respeito aos próprios membros da gestão. Em nossa carta-programa, dizíamos que queríamos construí-la de forma ampla, “como um espaço no qual a participação de todos é realmente efetiva, tanto na realização quanto na organização da Semana”. O cumprimento do prometido, além de ser uma obrigação, teria evitado que interesses privados se sobrepusessem aos anseios, sequer escutados, do conjunto dos estudantes.

Outra proposta abandonada foi a de “inclusão do período noturno na dinâmica do curso”. Não houve discussão ou atividade alguma voltada a esse público. Ao contrário, mesmo dentro da gestão esse foi o público mais penalizado por sua ausência na dinâmica do movimento estudantil. A superação da “divisão entre estudantes militantes e estudantes de sala de aula”, outro de nossos compromissos, não pode ser concretizado sem que se tenha uma política efetiva para a inclusão dos estudantes do período noturno, em especial daqueles que trabalham ou têm outras responsabilidades fora dos muros do mundo encantado da USP.

Poderíamos tranquilamente listar uma série de outras promessas não-cumpridas, como a manutenção e ampliação de diversas atividades (Café com CeUPES, grupos de trabalho e discussão temáticos, as semanas temáticas, com exceção da Semana de Mulheres, que aconteceu e contou com abertura e diversidade consideráveis) e a política de comunicação, em que os estudantes não só receberiam as informações, mas também as produziriam. A única tentativa de produção coletiva de alguma coisa foi tirada a contragosto na única assembléia ocorrida neste ano no curso, a saber, um boletim a ser elaborado em uma comissão editorial aberta. Até hoje, embora textos tenham sido entregues, nada foi publicado. Sem contar o questionável processo de eleição para representantes discentes (RDs).

Nossa crítica, entretanto, não se pauta de forma irresponsável e irrestrita, ao que sabemos reconhecer avanços conquistados em determinados espaços, como o Escritório Piloto, que se tornou o NAE (Núcleo de Apoio à Extensão). Ele sugere uma maneira interessante de trabalhar com a inserção do cientista social na sociedade, a partir de uma visão de mundo pautada pela troca horizontal, e não a serviço de interesses unilaterais do mercado. Acreditamos, no entanto, que grande parte dos seus avanços se deve à postura de independência organizacional com relação à gestão como um todo.

Os compromissos que firmamos estão todos de acordo com a nossa concepção de movimento estudantil e aquilo que de fato esperamos de uma gestão de centro acadêmico. A atuação da gestão é o que tem destoado, e isso não podemos aceitar calados, pois assim estaríamos sendo cúmplices. É justamente por discordar do balanço oficial da atual gestão que tornamos públicas as nossas divergências e o caráter heterogêneo da composição da gestão A estrada vai além do que se vê.

Não temos aqui o interesse de lavar roupa suja ou desconstruir a unidade dos setores progressistas e consequentes do movimento estudantil, mas em nosso entendimento a gestão avançou muito pouco na concretização de suas propostas, e isso não pode ser escondido dos estudantes, em especial daqueles que, por estarem no primeiro ano, desconhecem o processo e o compromisso político que nos elegeram.

A defesa de um movimento estudantil verdadeiramente amplo e democrático foi deixada de lado e substituída por um modelo que consolida um distanciamento entre centro acadêmico e estudantes, em que a relação entre estes se dá de forma vertical, uma vez que se pratica a concepção de que os militantes sabem o caminho que deve ser trilhado pelos demais estudantes. Não entendemos que estar próximo aos estudantes signifique apenas passar recados em salas ou por meios digitais, mas sim a construção de espaços em que os estudantes não sejam apenas receptores de informação, mas participem da formulação conjunta das atividades.

Durante a estrada, abrimos mão de muitas coisas por aceitar a derrota nas discussões internas, pois sabemos que democracia não é apenas uma palavra bonita para ser utilizada quando se tem a certeza da vitória. Opiniões diversas ao longo desta gestão foram tratadas como bobagem (em manifestações literais), desconfiança ou interesses direcionados de grupos políticos (ainda que parte de nós não seja de corrente política nenhuma). Esse tipo de posicionamento nos torna bastante desesperançosos com relação à atual gestão e seguros de que a inviabilização do cumprimento de nossas propostas se deve em grande medida à falta de vontade política nesse sentido por parte da parcela majoritária da gestão.

Essa parcela majoritária já iniciou seu processo de formação de chapa para as próximas eleições e tem como público-alvo prioritário os estudantes do primeiro ano (repetindo a tática dos anos anteriores). Entendemos que é fundamental agregar esses estudantes dentro dos debates políticos que se dão em nosso curso, mas precisamos fazê-lo de forma contínua, para que a aproximação com o centro acadêmico não se dê apenas durante os preparativos para as eleições, mas durante todo o período de gestão. Precisamos ser democráticos não apenas na forma e no discurso, mas sobretudo nas nossas ações cotidianas.

Por fim, esclarecemos que não estamos rompendo com a atual gestão, por estarmos certos de que a defesa de nosso programa é a forma mais responsável e consequente de defender aqueles que confiaram em nós e em nossas propostas. Seguiremos lutando para que “todos os estudantes tenham o direito de expor sua opinião” em espaços abertos promovidos pelo centro acadêmico, sejam eles assembléias, plenárias, reuniões da entidade etc.

É importante que você, estudante de Ciências Sociais da USP, saiba que, para nós, as propostas da chapa A estrada vai além do que se vê nunca foram da boca para fora.

Assinam: Erika Ferreira de Lima, Fernanda Ortega, Gabriel Neves, Maraiza Adami e Max Gimenes

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Durkheim e a importância de fazer listas


Li hoje na Folha de ontem um interessante texto, que reproduzo abaixo, de autoria do escritor argentino Alan Pauls.

Ele aborda a importância de se fazer listas num mundo em que tanto desejos como objetos de desejo parecem ilimitados. Para ele, a lista cumpre o papel de "colocar certa ordem nos desejos", nos impedindo de "naufragar no mundo".

Concordo. E, antes do término da leitura, tenho de confessar que me vieram à mente alguns dos ensinamentos de Émile Durkheim, um dos fundadores da Sociologia.

Caso eu tivesse mais tempo, retomaria até algumas leituras, para poder fazer uma análise sociológica mais precisa. Como não tenho, serei breve: não há como não ligar essa questão das listas com a preocupação de Durkheim com o estado de anomia pelo qual passava (ou ainda passa) a sociedade.

Grosso modo, a anomia seria o estado caracterizado pela ausência de normas, onde não há uma moral total compartilhada pelo conjunto dos indívíduos que os limite em seus desejos e que sirva como referencial para a "listagem" desses desejos.

Sem essa moral, afrouxa-se a coesão social, e os indívíduos creem-se autossuficientes com relação à sociedade da qual fazem parte e sem a qual nada são.

A partir daí, a busca incessante por mais e mais leva os indivíduos a um estado de insatisfação crônica e ao afastamento dos demais. O resultado? Pode ser o suicídio anômico, do qual Durkheim trata em seu clássico O suicídio.

***

Fazer listas é colocar ordem nos desejos

Fazemos listas desde sempre, desde antes de escrever. Nenhum garoto precisa conhecer o alfabeto ou as regras de concordância para enumerar o que quer em seu aniversário.

Basta ele desejar e compreender que algo tão despótico quanto o desejo requer algum tipo de lógica. É essa a função da lista: colocar certa ordem no desejo. Uma ordem básica, simples, rudimentar, mas absolutamente decisiva. Porque, sem ela, o garoto (ou seja: nós) se perderia. Ficaria à mercê de duas imensidões oceânicas: a do seu próprio desejo (por definição ilimitado) e a de tudo o que o mundo tem para lhe oferecer.

Elementar e ao mesmo tempo milagrosa, a lista é a primeira maneira que temos de não naufragar no mundo e de não aceitá-lo como ele é. Serve para recortar o mundo, capturá-lo, deixar uma marca que fale de nós nele.

Em sua meia língua, o menino que faz aniversário pede: “Um triciclo, um Woody, um chiclete, uma bola, um dragão que cospe fogo”. Essa lista impessoal é o mais pessoal que existe, porque é a intersecção entre seu desejo e o repertório interminável de presentes que espreitam no mundo.

Não é por nada que vivemos fazendo listas. Listas de compras, de convidados, de trabalhos a cobrar, de dias de prisão que faltam ser cumpridos, de filmes a ver, de livros para as férias, de amigos com os quais gostaríamos de tomar um drinque. Nesse gênero seco, mecânico, burocrático, há uma humanidade que comove.

A lista dá voz e forma ao que há, ao que se necessita, o que se ambiciona, o que se realizou, e, nesse sentido, parece condensar quatro ou cinco núcleos de experiência nos quais a espécie toda poderia se reconhecer: desejo, memória, registro, necessidade, sonho.

PAIXÃO

Com seu estilo desafetado, monótono, de repartição pública, a lista com frequência é o testemunho mais precoce e categórico de uma paixão.

O crítico de cinema Serge Daney dizia que o verdadeiro cinéfilo não é apenas aquele que vai muito ao cinema, desenvolve gostos sofisticados e é capaz de alçar-se em armas em nome de um diretor -é sobretudo aquele que passa a experiência do cinema para a experiência da lista: aquele que não para de sistematizar sua pulsão de fã em rankings e outras práticas nas quais confluem o ardor da paixão e a rotina contável.
A suntuosa espetaculosidade do filme de Spielberg (“A Lista de Schindler”) não nos fará esquecer o que a lista de Oskar Schindler foi, o que descobriram aqueles que a encontraram na mala que, em 1974, quando Schindler morreu, reunia o que restava da sua fortuna: uma folha com 1.200 nomes escritos.

TUDO E NADA

Ou seja, um arquivo: algo que é tudo e nada ao mesmo tempo. Como é tudo e nada ao mesmo tempo a lista de desaparecidos apresentada há dois meses por uma testemunha em Tucumán, Argentina, durante o julgamento de dois dos responsáveis pela repressão ilegal movida sob a ditadura de 1976-83.

São nove páginas de tamanho ofício escritas a máquina, com os nomes de 293 pessoas. Ao lado de 195 se leem as iniciais DF (disposição final), um eufemismo para dar nome ao crime. A lista não é nada: não diz quem eram, o que faziam ou porque nunca voltaram a ser nem a fazer o que eram e faziam antes de os terem inscrito nessa folha.

Mas é tudo, porque é o primeiro dado oficial das técnicas repressoras que aparece em quase 30 anos, o primeiro que -produzido pelos próprios militares, com suas máquinas de escrever- comprova que a repressão foi sistemática e metódica. A tal ponto que, como uma inversão macabra das listas apaixonadas do cinéfilo, os exterminadores não puderam resistir à tentação de registrá-la em uma lista.

ALAN PAULS, escritor argentino, é autor de O Passado (Cosac Naify), entre outros.

Tradução de CLARA ALLAIN.

domingo, 29 de agosto de 2010

O "caráter errático" da campanha tucana




Para arrematar, deixo aqui as palavras do ex-tucano Vladimir Safatle, professor do departamento de Filosofia da USP, em artigo recente publicado na Folha:

"Nesse sentido, o caráter errático de sua campanha [do PSDB] não é apenas um traço de seu caráter ou um problema de cálculo de marketing. Trata-se do capítulo final da dissolução ideológica de uma sigla que só teria alguma chance se tivesse ensaiado algo que o PS francês tenta hoje: reorientação programática a partir de um discurso mais voltado à esquerda e (algo que nunca um tucano terá a coragem de fazer) autocrítica em relação a erros do passado."

Pois é. Sabemos que o "caráter errático" de que fala o professor nada tem a ver com os cacófatos do "Serra comedor". Trata-se apenas de uma engraçada coincidência.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Debate Folha/UOL: o dito e o não dito

Como assinante da Folha, eu havia me inscrito para assistir, da plateia, o debate entre os três presidenciáveis mais bem colocados nas pesquisas. A minha intenção era fazer uma cobertura crítica do evento, que por critérios arbitrários dos organizadores ocorreria sem o candidato Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL.

O texto que eu pretendia escrever eu sequer terminei, porque um fato inesperado mudou tudo e tirou a minha atenção.

Fui convidado para um entrevista e aceitei. Pensei que era para a Folha. Depois descobri que gravariam um vídeo para o UOL. Tudo bem, sem problemas. Mas... surpresa: a pouquíssimos minutos de acabar o bloco do momento, o repórter @msneves me disse que entraríamos ao vivo naquele intervalo. Eu, que estava tentando imaginar o que diria, fiquei completamente sem reação. Mas não deixei de encarar as câmeras para falar da ausência de Plínio. As coisas saíram muito diferente do que eu gostaria, porém é tarde demais para chorar o leite derramado. Logo após a entrevista, no entanto, eu já havia esboçado na minha cabeça o que eu deveria ter dito (abaixo). Afinal, eu tinha mais de 140 caracteres. E poderia ter ido muito além.

"É impossível comentar a repercussão do debate na internet e, em especial, no Twitter sem citar a frustração geral que ocasionou a não-participação do candidato Plínio de Arruda Sampaio. A Marina, provavelmente alertada por seus assessores, resolveu sair da defensiva e ocupou o 'vácuo crítico' deixado por Plínio. Não sem surpresa foi parar na lista dos 'trending topics' mundiais do Twitter. Até o FHC foi parar nos TTs, enquanto o Serra, coitado, nem apareceu. A propósito, se o debate da Folha fosse utilizar a lista de tópicos mais comentados do Twitter como critério para convidar os candidatos, certamente os três presentes seriam Marina, Dilma e Plínio. Quem ficaria de fora seria o Serra. Mas, de qualquer forma, o debate foi acompanhado por todos os internautas, inclusive pelo candidato Plínio, que comentou por meio de webcam. E, ao contrário do que disse Fernando Rodrigues, o tag #debatefolhauol chegou a ocupar por bastante tempo o terceiro lugar na lista de TTs. Se chegou a ficar em primeiro, foi apenas durante um piscar de olhos. No topo, estava a Marina. E seria o Plínio caso ele estivesse participando."

Ah, se eu pudesse voltar no tempo...

Não posso. E a vida continua. Ainda há muito por fazer.

sábado, 14 de agosto de 2010

Quando a esmola é demais, o santo desconfia

A Folha deixou de ignorar o candidato do PSOL à Presidência da República, Plínio de Arruda Sampaio, e lhe destinou quase uma página inteira pelo segundo dia seguido. Achou democrático? Então preste atenção aos detalhes:

Imagine a forma mais imprudente de abordar tudo o que pode haver de mais polêmico com relação a uma candidatura. Imagine a publicação, sem o devido aprofundamento das discussões, de tudo o que pode chocar o senso comum. Pronto, você imaginou a matéria da Folha de hoje (a de ontem havia sido bem mais condescendente, digamos assim). O título já escancara que Plínio defende a "legalização da maconha". No subtítulo, aspas de Plínio perguntando que "mal faz um baseado". Depois, o jornal joga na roda a contradição entre a posição de Plínio contra a existência do Senado e a suposta bronca que o PSOL lhe teria dado pelo fato de o partido lançar postulantes ao cargo. Para arrematar, uma "investigação" que revelaria uma suposta incoerência existente no fato de um socialista defender a taxação de grandes fotunas e ao mesmo tempo ter patrimônio de cerca de R$ 2 milhões. Eles gostam de endinheirados como Eike Batista, que quanto mais tem mais quer, independentemente de qualquer coisa. (Neste caso, de qualquer coisa mesmo.)

A imprensa não é neutra, sabe-se. Mas alguns veículos são tendenciosos demais.

(Ah, em tempo: na edição de hoje da Folha também havia um editorial contra o debate eleitoral centrado na comparação entre os governos Lula e FHC. É claro, não há modo melhor de mostrar que o governo Lula, por menos que tenha feito, saiu-se muito melhor que o tucanato privatista. O pessoal desse jornal não diz, mas vota 45. Ah, vota...)

Lea T, a filha de Toninho Cerezo





Ela nasceu Leandro Cerezo. Sim, Lea T é uma transexual.

Desde que seu antigo filho, hoje filha, começou a fazer sucesso na Europa (estrelando até uma campanha da Givenchy e posando para a Vogue francesa), o ex-jogador e hoje treinador de futebol Toninho Cerezo foge da imprensa como o diabo da cruz. Reportagem do The Observer, reproduzida na semana passada por CartaCapital, mostra como Cerezo ainda não aceitou muito bem essa história. Sabe como é, parece que a família é muito "católica"...

Lea T é bonita. Mas por que será que ela não pode ser bonita e feliz? Aposto que Jesus, se vivo fosse, também não entenderia.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Show "Chico Buarque - Histórias de Canções" continua



Eu ia começar este post dizendo que estar presente nesse show é como tomar uma cerveja à mesa com Chico Buarque. Mas seria muita pretensão tentar adivinhar como é estar em tal situação. Até porque, apesar de gostar do Chico e de ter lido o livro "Histórias de Canções" (afinal, trabalhei no processo de edição), não me considero lá grande entendedor desse brilhante artista.

Pois bem, mas nada me impede de dizer que assistir a esse belo espetáculo é como passar horas apreciando belas histórias, boa música e, é claro, piadas espirituosas do meu querido amigo Wagner Homem, o inspirado autor da obra, que chega até a mostrar o seu gingado em determinados momentos da apresentação, levantando e dançando na maior. A ideia de transformar o livro em show foi realmente uma grande sacada.

Para quem ainda não conferiu, fica a dica: a temporada no Café Paon (Moema), que ia até o fim de julho, ganhou sobrevida. No sábado 7/8 tem bis. E, para que ninguém se desespere, a próxima temporada será no Teatro Fecap e já tem data marcada, anote aí: fins de semana de 21/22 e 27/28 de agosto. Eu já fui duas vezes e levei comigo algumas pessoas das quais gosto. E não vejo a hora de comparecer de novo, vale mesmo a pena. Para saber mais, acesse o site: http://www.historiasdecancoes.com.br/. (Ou me escreva para irmos juntos quando começar a temporada no Teatro Fecap!).

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Preciso ler Guimarães Rosa


Na edição especial de número 600 da revista CartaCapital, várias personalidades foram convidadas a responder à seguinte pergunta: "Do que o Brasil precisa?".

As respostas foram as mais variadas, de acordo com a área de atuação e a visão de mundo da pessoa em questão. Entre um Stedile aqui, um Belluzo ali e um Sócrates acolá, surpreendido mesmo eu fui com o texto de Jorge Futado, cineasta e roteirista.

O texto de Furtado carrega o seguinte título: "Ler Guimarães Rosa (e outras dez sugestões para fazer deste um país melhor para nós e os nossos filhos)". Instigante. E mais instigante ainda é o trecho citado do livro Grande Sertão: Veredas, do qual reproduzo uma parte abaixo.

"Por que o governo não cuida? Ah, eu sei que não é possível. Não me assente o senhor por beócio. Uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil e tantas misérias... Tanta gente – dá susto se saber – e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons...”

Política de verdade é assim. Não basta ideias arranjadas, infelizmente (ou felizmente, sei lá). O buraco é bem mais embaixo. E Guimarães Rosa, pelo visto, ajuda a iluminar tão tortuosa trilha. Preciso lê-lo urgentemente.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Profissão polemista


O polemista profissional Luiz Felipe Pondé conseguiu se superar em sua coluna semanal de absurdos publicada no jornal Folha de S.Paulo. A tática é tão simples quanto antiga: disparar ofensas contra tudo e contra todos. Na verdade, contra quase tudo e quase todos.

Ele tenta postular-se como um verdadeiro cético, pois, aparentando estar desprovido de ideologias, assim crê dispor de legitimidade para criticá-las. Ele não teria, de acordo com o que diz, ideais ou esperanças. E emenda: “E suspeito de quem queira me dar uma [esperança]”. Eu, por meu turno, suspeito justamente quando alguém vem com esse papo furado de não ter ideal – porque das duas uma: ou ele tem mas não sabe que tem (ingênuo) ou ele tem e está escondendo (mau-caráter).

Em seu texto desta semana, “Sem esperanças”, há vários trechos que me fariam escrever linhas e mais linhas como réplica (justamente o que ele busca e o que o faz continuar na Folha, mesmo depois das mudanças editorias pelas quais o jornal passou no último período e sobre as quais eu ainda vou escrever neste blogue).

Bom, deixando de lado o machismo perceptivelmente forçado, é possível encontrar no texto coisas como esta: “Não saio para jantar com gente que quer mudar o mundo e que tem ideais. Prefiro as que perdem a hora no dia que decidem salvar o mundo ou as que trocam seus ideais por um carro novo.”

O que Pondé tenta vender como ousadia inovadora (e, por que não dizer, revolucionária) tem nome: quem não quer mudar o mundo, mas conservá-lo como está, é conservador e está à direita na arena política. Por que ele participaria do debate político se não tem ideal? "Participo do debate público pra atrapalhar a vida de quem quer mudar o mundo ou de quem tem ideais".

Ou seja, Pondé tem lado e sabe disso. E, digamos, não é o mais humano e fraterno deles. É o lado da elite, dos banqueiros, empresários, ruralistas e milhões de etc. Porque destes eu nunca vi o incendiário colunista falar mal.

“Pergunto-me por que não proíbem professores de pregar o marxismo e toda a bobagem da luta de classes.” Uma coisa é um conservador sério como o professor de Filosofia da USP José Arthur Giannotti, que ao menos reconhece a importância do pensador Marx. Outra, sensivelmente diferente, é o sensacionalismo comercial do Pondé. Mas quanta petulância!