o braço ainda dói e as mãos ainda tremem um pouco, mas se faz necessário relatar o que se passou agora há pouco na manifestação contra a copa em sp. saí de casa hoje depois do almoço para o seminário "governar após junho", iniciativa do psol organizada pelo professor de filosofia da usp vladimir safatle, pré-candidato do partido ao governo do estado. a ideia é, com uma série de atividades como essa, preparar o programa de governo de sua provável candidatura. quando o debate acabou, por volta de 17h30, me juntei a um grupo de amigos que pretendia passar pela manifestação contra a copa, cuja concentração estava marcada para ali perto. estávamos na câmara dos vereadores da cidade e o ato partiria da praça da república. mesmo não concordando com a palavra de ordem "não vai ter copa" (porque ela vai acontecer independentemente de nossa vontade, e o mais inteligente é levantar junto à população o questionamento acerca de quem ganha com essa copa etc.), nos dirigimos a ela e por lá ficamos. desde antes de chegar a ela, no entanto, notamos que havia algo de muito errado. os arredores da concentração da manifestação estavam tomados pela pm (com ônibus da corporação já estacionados, inclusive, ali pela biblioteca mário de andrade). de acordo com os números divulgados pelo uol que acabo de ver, foram mobilizados mil pms na operação. e, segundo a pm, havia mil manifestantes... com isso, é possível ter uma ideia da composição da marcha, que visualmente dava a impressão de ser dos próprios soldados. andávamos meio à margem, um pouco à frente do grosso do ato e próximos da calçada. outra coisa muito estranha que pudemos notar: os pms, conforme o ato se movimentava, foram formando um cordão de isolamento em cada lado da passeata, virtualmente confinando os manifestantes na rua, enquanto eles próprios seguiam a linha da calçada. apesar dessa imagem ameaçadora, não nos ocorreu sair dali, tendo em vista que o ato estava relativamente pequeno (ainda mais se comparado ao efetivo completamente desproporcional da pm) e transcorria até esse momento de modo pacífico, sem qualquer indício de que poderia se tornar violento. foi nesse momento, em que a passeata passava por ruas do centro ladeadas com fartura pela pm, que começou uma gritaria muito suspeita um pouco atrás de onde estávamos. com isso, os adeptos da tática black bloc correram procurando o foco da possível confusão (para quem não sabe, eles se autoatribuem a função de proteger os manifestantes da polícia). pronto. a correria era o sinal verde que a pm parecia estar esperando. enquanto os manifestantes corriam perdidos cada um para um lado, a pm fechou o cerco já preparado sem procurar por nada, encurralando indiscriminadamente todos os que estavam na rua a cacetadas. mesmo com os braços erguidos e as mãos próximas à cabeça, tomei uma pancada no braço esquerdo. deitado no chão e já rendido, levei um chute e vi muitos outros manifestantes sendo intimidados das mais diversas formas, mesmo já não oferecendo qualquer perigo ou resistência. tudo isso aconteceu muito rápido, a pm parecia saber muito bem o que estava fazendo. acho que não levou dez minutos até todos estarem completamente encurralados e rendidos, e tendo ainda por cima de respirar spray de pimenta maldosamente lançado pela pm, que já tinha então o controle da situação. após isso, a pm foi tirando um por um do cerco e revistando, para enfileirar do lado de fora, junto às paredes dos prédios e estabelecimentos fechados. pelo que pude ver por entre as pernas dos pms, os primeiros tirados do cerco (em geral mascarados ou vestidos de modo "suspeito"), foram arrancados violentamente dali, agredidos e atirados ao chão do lado de fora, para terem suas mãos presas às costas com "enforca-gato", sem qualquer preocupação com a circulação de sangue. isso tudo deve ter ocorrido por volta de 19h. ficamos, sem saber o que nos aconteceria, por cerca de duas horas (o último ônibus com detidos deve ter saído do local por volta de 21h). ficamos sob chuva, proibidos de usar o celular e sem acesso a qualquer tipo de informação/comunicação. a imprensa e os advogados que tentavam acompanhar a revista e as eventuais detenções, foram violentamente tirados de perto e dispersados. adeptos da tática black bloc não encurralados tentaram furar o bloqueio da pm em direção aos rendidos, o que deu ensejo a mais uma ofensiva por parte da pm. quando questionados, pms ainda nos ironizavam, evidenciado o entulho da ditadura que representam: "não quiseram vir para a manifestação? agora aguentem" (ouvi isso mais de uma vez). o que estava em jogo ali era o direito de qualquer cidadão à livre manifestação, pois no discurso dos pms estava claro que manifestações populares são, para eles, um problema em si, independentemente de "violentas" ou "pacíficas" (a de hoje era pacífica até a ação da pm). coisas estranhas não pararam de acontecer: de repente, um superior da pm passou gritando "mais algum policial ferido?", enquanto amparava um pm que fingia cambalear -- o teatrinho arrancou risos de perplexidade entre quem já estava havia tempo sentado no chão e sabia não haver a menor chance de agressão a pms naquela correlação de forças. de onde eu estava, a ponta do cerco, pude ver de dentro e depois também de fora dezenas de revistas a mochilas. em nenhuma delas, mesmo na do anarco-punk mais maluco, foi encontrada qualquer coisa ilícita. no entanto, algum tempo depois, apareceu um pm carregando uma sacola com rojões supostamente encontrados com manifestantes... no fim, para coroar o festival de arbitrariedades, a triagem para escolher quem seria detido e quem seria liberado seguiu um critério completamente absurdo que procurava misturar a cor da pele com a da camiseta (os de preto, afinal, podiam ser do black bloc, mesmo que brancos). fui liberado com a seguinte frase: "este aqui tem cara de nerd, deve ser só estudante, pode liberar". enquanto saía com mais alguns, pude ver dois amigos que ficaram e com os quais havia perdido contato no momento da correria -- um de camiseta preta e outro de camiseta vermelha, mas ambos não-brancos (e isso porque não existe mais racismo no brasil). nós liberados, quando saíamos do cerco da pm, recebemos a seguinte saudação como despedida por parte de um pm: "boa noite e até a próxima manifestação, se deus quiser". "covardes!", a resposta que morreu na boca sem ser pronunciada. passar por isso tudo serviu, ao menos, para justificar a minha saída de casa hoje depois do almoço: o programa do psol para o estado de sp prevê a desmilitarização da polícia (porque do que precisamos não é de mais poder para quem já abusa demais da autoridade que tem, e sim o contrário).
Íntegra do relato escrito por mim no próprio dia 22/02/2014 e publicado originalmente em meu perfil no Facebook: https://www.facebook.com/max.gimenes.1/posts/765830980094974. Quanto à foto, eu a encontrei por acaso na internet e achei que seria o caso de divulgá-la também, para ilustrar meu ponto de vista enquanto autor do texto.