segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Gramática: uma questão de reflexão

Li no jornal outro dia a expressão "contos de fadas", com a palavra "fada" no plural. Lembrei-me de um dos livros em cujo processo de edição estou trabalhando: Dragões de Éter - Corações de Neve, o segundo volume do que promete ser uma trilogia, embora eu faça votos de que vá muito além, pois se trata de uma obra interessante de um escritor promissor, o Raphael Draccon. Mas, enfim, não é esse o foco aqui.

A lembrança ocorreu devido ao fato de que o livro, que pode ser localizado no campo da literatura fantástica, traz em seu enredo fadas e alusões a contos de fada clássicos. "Peraí", o leitor mais atento questionaria, "contos de fada" ou "contos de fadas"? Na padronização que estou fazendo durante o que se pode considerar ser a revisão final, optei pela primeira opção. E explico o porquê. Vejamos.

Eu sabia, pela bagagem de leitura e pelo pouquinho de experiência na área que tenho, que o certo (ou, melhor, o mais adequado) seria usar a palavra "fada" no singular. Mas faltava o embasamento teórico, que busquei brevemente, porém sem ter muito êxito. Embasamento este que é, aliás, o mais importante em discussões gramaticais, pois nem tudo é consenso entre os estudiosos e muitas questões dependem do gramático que se escolhe como referência.

Pois bem, sem encontrar referência direta ao caso e precisando encontrar uma solução, decidi não ir "no automático" e resolvi refletir a respeito do imbróglio. Para a minha explicação, recorro a outra expressão que nos será, digamos, útil: "histórias em quadrinhos". "Agora complicou de vez", pensaria o perplexo leitor atento de que falei anteriormente. Muito pelo contrário.

Os contos de fada (ou "conto de fada", se estivermos falando de apenas uma história) são caracterizados por envolver o sobrenatural, encarnado pelo ser imaginário ao qual damos o nome de fada, um substantivo comum e portanto genérico para se referir a um ser qualquer dessa classe. Logo, creio que seja preferível usar o singular. Já em relação às histórias em quadrinhos, opto pelo plural pelo simples fato de as histótias serem constituídas cada uma por um conjunto de dois ou mais quadros (ou quadrinhos, para ser mais didático). Não há história em um único quadro, nesse caso talvez exista uma charge. Mas essa é outra história, tenha ela quantos quadrinhos for.

A gramática (entendida como conjunto de prescrições para o uso considerado correto da língua) é uma instituição social e não existe por si mesma, não é uma entidade natural nem muito menos imutável, é antes obra de homens inseridos em determinado contexto social, logo passível de falhas ou limitações como eles e o tempo em que vivem. E reflete em grande medida a interpretação e o gosto de quem a sistematiza.

Ao que se conclui que há sempre controvérsias, pois como sabemos a língua está viva por aí, em constante transformação, como estamos na realidade todos nós. E cabe a nós refletir sobre ela e perceber como a gramática pode nos ajudar. Afinal, já pensou se cada um escrevesse como bem entendesse, sem ao menos se justificar? Em breve nós seres humanos deixaríamos de nos entender, a nossa forma de nos comunicar passaria a fazer sentido apenas para nós mesmos, mas não para o próximo, o interlocutor... E pense também em como você pode ajudar a gramática. Ela está aí, para fazermos dela um instrumento efizaz a serviço de uma boa comunicação, mais eficiente à medida que se tornar também mais democrática.

7 comentários:

  1. Se eu cheguei aqui é porque também me deparei com esta dúvida.
    Adorei a explicação!
    Parabéns!!

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  2. Muito obrigado. Estava escrevendo este poema, que lhe compartilho na sequencia, e para conseguir uma rima perfeita, era-me preferível poder usar "conto de fada" no singular mesmo!

    As duras noites
    De um amor ardente
    Que compelem em vão
    A tanta gente
    Puras vão-se embora
    Nos deixam aqui agora
    Nesse céu indecente

    Belas vivas e fortes
    Palavras que vão embora
    São constantes lances mistos
    Que se acabam uma hora
    Como dançam esses momentos
    Como choram os sentimentos
    do que não existe mais agora

    Falam muitos que é a vida
    Outros não falam nada
    Ambos enxergam as desfeitas
    Mas têm sua memória empanada
    Acabou passou sumiu
    Da última letra se riu
    E tudo virou um conto de fada

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  3. Oi. Obrigado pelos esclarecimentos. Escrevi o soneto abaixo e fiquei na dúvida sobre se a expressão "conto de fadas" pode ser utilizada no singular "conto de fada". Eu tinha necessidade da expressão no singular para a rima ficar perfeita no soneto.

    SONHO
    Sorriste pra mim, amor ... foi em sonho … mil louvores,
    Porém, dirijo a Deus, que o permitiu, mil glórias tanjo
    A Ele, Que soube, no mais pródigo esbanjo
    Um pedaço do céu pôr nos teus lábios tentadores.

    Não foi real, foi um sonho apenas, mas as cores
    Daquele sorriso guardo. Agora, em vão, os versos que arranjo
    Descrevê-lo tentam: daquela que é linda como as flores,
    Daquela que, quando sorri ... é mais que linda … é um anjo.

    Não passou de um sonho, um breve conto de fada:
    Eu, um rei, mas só da tua lembrança, na verdade,
    Só da tua imagem tive a mente coroada!

    Acordar sem ti ... oh! Que deserto medonho!
    Só tu, amor, tornas meus sonhos realidade,
    Só tu fazes da minha realidade um sonho!

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  4. Cheguei pq tb estava na dúvida. Parabéns pelo texto

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  5. Consideremos q a palavra fada vem do latim fatum que significa destino, fatalidade ou fato.

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