quarta-feira, 7 de abril de 2010

O balanço do mergulho no universo de "Gonzos e parafusos"

As considerações de quem acompanhou de perto a performance e a edição de “Gonzos e parafusos"

(do blog http://www.leya.com.br/gonzoseparafusos)


Já faz quase 15 dias que o livro Gonzos e parafusos foi lançado. Durante os 7 dias e 6 noites da performance que antecedeu o lançamento da obra eu vivi intensamente o universo criado por Paula Parisot, ao fazer a cobertura para o blog oficial. Digamos que, como a protagonista Isabela (e também como Paula), eu me internei “espontaneamente” em uma “clínica de repouso”, no meu caso os corredores da Livraria da Vila.

Internei-me, na verdade, por uma obrigação visceral. Eu simplesmente sentia que precisava estar lá. Não creio, é necessário pontuar, que há coisas neste mundo para as quais não existam explicações. Tudo tem um encadeamento lógico, conquanto às vezes possamos ignorá-lo. O importante é questionar-se e mover-se sempre no sentido de buscar desvendar aquilo que aparentemente não tem explicação. E lá fui eu.

Pois bem, a performance acabou e, como não poderia deixar de ser, tomou-me de assalto um certo vazio. Este texto “final”, com o qual eu pretendia encerrar a minha participação no blog, foi sendo deixado por mim para depois, de certa maneira eu estava tentando fugir da dor da perda. Freud explicaria, sem dúvida. Mas agora chegou a hora de encarar o desafio. Vamos lá.

O convite irrecusável

Quando Gonzos e parafusos foi editado, eu era ainda funcionário da Leya, prestava assistência ao Pascoal Soto e à Tainã Bispo, diretor editorial e editora de títulos nacionais, respectivamente. Embora Pascoal falasse muito bem do livro, só fui ter mesmo ideia do que se tratava quando o manuscrito veio parar em minhas mãos (ou em minha tela, mais adequado). Dei prosseguimento ao processo editorial. A primeira leitura que fiz foi perturbadora, percebi ali estar diante de algo bastante especial.

Desde então, mal conhecendo Paula, havia me imposto duas tarefas: dedicar algumas linhas de reflexão sobre a obra ao fim do processo e, de alguma maneira, acompanhar a performance e até escrever sobre ela também. Eu deixei a Leya cerca de um mês antes do lançamento da obra, com a edição já finalizada, a fim de me dedicar a outros projetos pessoais. Eu nem sequer poderia imaginar o que o destino estava preparando para mim.

O convite para cuidar do blog foi feito por Gabriel Martins, responsável pelo marketing da editora, e me pegou desprevenido. Me enchi ao mesmo tempo de ansiedade e receio. Afinal, eu sabia que aquilo não teria controle, que seria antes um exercício de autoconhecimento do que um trabalho burocrático. Seria a minha busca por respostas, algo completamente imprevisível. De qualquer modo, era a chance de eu me envolver ainda mais com aquele universo e cumprir com as duas tarefas autoimpostas anteriormente. Aceitei.

Chega o início da performance

Um dos primeiros desafios do início da cobertura foi encarar aquele mulher postada no interior do quarto de acrilico, com a qual eu passaria ao menos metade de todos aqueles dias. Impressionante, a sensação, como disse um espectador, era mais a de a Paula estar nos invadindo, e invadindo a nossa privacidade, do que o contrário, o que seria o óbvio, o previsível. Passei o primeiro dia sem conseguir sustentar nem por um segundo sequer o olhar de Paula Parisot. E isso me atordoou.

No segundo dia de performance, acordei com a missão de encará-la até conseguir sustentar seu olhar. E assim foi, depois de muitas tentativas frustradas na manhã da sexta-feira. Descobri-me covarde diante dela. Percebi que me escondia, inseguro, dentro de mim, e que buscava ali dentro refúgio contra o cruel mundo exterior. Não tinha coragem para me debruçar sobre a janela da alma alheia, porque isso implicaria abrir uma fresta para que vislumbrassem também o que há de mais íntimo em mim. “Quando você olha para dentro do abismo, o abismo também olha para dentro de você”, poderíamos, indevidamente até, roubar a Nietzsche, pensador adorado por Isabela.

O fato é que era preciso ser forte. Era preciso descobrir alguém como Paula. Era preciso (e continua sendo) descobrir a mim mesmo cada dia mais. Fixamos, enfim, o olhar um no do outro. E o feito rendeu a inscrição na parede do quartinho de acrílico: “O jovem alto e esguio pela primeira vez olhou para mim, já não se assusta”.

A literatura de verdade, segundo meu mestre

Poderiam dizer os pretensamente perspicazes: “a performance não passou de uma bela estratégia de marketing”. Coitados. O blog pode até ser considerado uma ferramenta de divulgação da performance, portanto sujeito a esse tipo de acusação, mas a perforance, não. E, garanto, eu jamais me envolveria num projeto cujo propósito fosse o simples apelo comercial. Minha consciência marxista jamais me deixaria dormir tranquilo novamente.
Para tentar dizer o que me motivou a abraçar essa ideia tão heterodoxa, tenho de lançar mão das sábias palavras do meu mestre. Sim, porque cada um nesta vida tem um mestre. O de Paula é Rubem Fonseca, que dispensa comentários. O meu responde pela direção editorial do grupo Leya no Brasil e atende pelo nome de Pascoal Soto.

O que Pascoal me disse em variados momentos de nossa convivência, e reiterou dias antes do início da performance, foi que a literatura de verdade é aquela movida pela inquietação, aquela que busca respostas. É a literatura que, para além da mão e da cabeça, poderíamos dizer, utiliza fígado, vísceras e coração. E a literatura de Paula Parisot seria uma literatura dessa qualidade.
Literatura não tem de dar respostas, concordo, porque cada um tem de buscar as suas próprias, que são evidentemente diferentes das dos outros, o que nos impede de ganhar respostas prontas de presente em um livro, por exemplo. O sentimento de inadequação a este mundo, e o consequente sofrimento advindo dele, formam aquilo que particularmente considero o melhor combustível para uma literatura de verdade.

A história de Gonzos e parafusos carrega uma grande carga autobiográfica. Paula, ficou ainda mais claro durante os dias de confinamento, viveu grande parte do que está narrado em seu romance, ainda que não exatamente daquele modo, e a própria performance tinha uma importância de libertação pessoal para ela. Desconsiderar isso ou atribuir qualquer tipo de viés meramente narcisista é tornar a obra menor do que de fato ela é, porque talvez seja mesmo Paula uma narcisista (e provavelmente não seja a única nem seja só isso). Aquela é a história de uma personagem que fica “parafusando”, ou seja, refletindo, que se sente “fora dos engonços”. Está, portanto, longe de ser uma parábola a trazer ao seu final qualquer tipo de “moral da história” ou coisa do tipo. Leituras assim, a meu ver preconceituosas, são rasas e atravessadas. E não fazem sentido algum.

Dividindo o peso da cruz

Como diz a personagem Isabela a certa altura da história, é muito reconfortante descobrir, por meio dos livros, que não carregamos sozinhos nas costas todo o sofrimento do mundo. Foi justamente por compartilharmos esta cruz que eu e tantos outros tenhamos sido arrebatados. E talvez por isso o meu trabalho no blog tenha saído mesmo tão autoral, como sugeriu o querido Pipol, responsável pela gravação dos vídeos diários da performance. É verdade, ficou mesmo muito além da margem de segurança que eu pretendia manter.

Durante os dias da performance, muitas pessoas passaram por lá e (por que não aproveitar a metáfora pascal?) ajudaram-na com o peso da cruz. Não obstante, porém, houve quem a açoitasse. Com palavras, é claro, mas de forma não por isso indolor. É a ignorância que pare o ódio, creio eu, porque o respeito é coisa para quem está deveras seguro de suas convicções (e da inevitável insuficiência delas).

Durante toda a cobertura para o blog, esforcei-me para fazer jus ao espírito e à grandeza de Gonzos e parafusos. Em cada linha, deixei um pouco do sopro de vida que me anima, porque não seria justo nem possível sair incólume. Deixar um pouco de vida em cada linha escrita talvez seja uma válvula de escape, mas sem dúvida nos ajuda a levar adiante o que sobra da vida em nós. O agora não cessa nunca o seu vir a ser. E é preciso seguir em frente.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A performance no Metropolis, da TV Cultura

Pois é, a performance acabou, e o meu trabalho de cobertura, também. Mas muita coisa restou, as impressões desses 7 dias e 6 noites, em textos e vídeos, estão registradas no blog oficial, que merece ser acessado. O endereço? É este aqui: www.leya.com.br/gonzoseparafusos.

Abaixo, posto o vídeo da matéria do programa Metropolis, da TV Cultura, com direito a entrevista até deste que, humildemente, aqui escreve.