quinta-feira, 9 de julho de 2009

Ensino presencial, PM à distância!*

Assistam à barbárie. O responsável por isso quer ser presidente da república. E já foi, tempos atrás, líder no movimento estudantil. Do que mais ele é capaz? Creio que nem ele nem Deus saibam. É preciso ter cuidado.



*Título da postagem roubado do nick da amiga Ori no MSN. Não sei a quem devo dar o crédito, mas que fique aqui registrado que a espirituosa sacada não foi tida por mim.


O movimento estudantil da USP e a ofensiva conservadora

A conjuntura atual, não somente nacional como internacional, é marcada centralmente pela crise econômica deflagrada nos EUA no segundo semestre de 2008. Um cenário como este proporciona grandes perspectivas de movimentação. Muitas pessoas, que perdem seus empregos ou pioram de vida, passam a ver que não têm mais muito a perder e tendem a descer de cima do muro em busca de saídas políticas para sua insegurança econômica. Mas nisso reside um perigo, pois pessoas podem fazê-lo para qualquer um dos lados, esquerda e direita.

Adotemos aqui critérios de "esquerda" e "direita" amplos, não apenas ligados a partidos políticos que são, ou dizem ser, de um lado ou de outro. E ignoremos a definição de "centro", que nada mais é do que uma posição tática oportunista e cômoda de quem está de um dos lados, mas prefere fingir-se neutro ou travestir-se de moderado. Para "esquerda", pensemos nas forças progressistas, estendendo o rótulo a todos aqueles que não aceitam como naturais as desigualdades existentes na sociedade e buscam transformá-la a fim de promover justiça social. Para "direita", admitamos a classificação de quem busca a manutenção da ordem estabelecida, por achá-la natural ou cômoda, com suas injustiças e desigualdades, estendendo a classificação até mesmo àqueles que aceitam fazer concessões, como praticar algum tipo de filantropia vazia de vez em quando.

A crise econômica por que passamos é considerada por estudiosos diversos como a mais grave desde a de 1929. Esta, há 80 anos, gestou um sentimento de revolta que em muitos países, como Alemanha e Itália, cresceu e acabou por se tornar o monstro mais tarde batizado de nazi-fascismo. Nada impede que isso volte a acontecer, e uma análise mais atenta pode indicar que uma movimentação conservadora é algo mais real do que eventualmente possa parecer.

Peguemos o caso da Universidade de São Paulo (USP). Existem três eixos que, aprovados em assembléia de estudantes, vêm sendo trabalhados ao longo deste ano: "nenhum centavo a menos para a educação", "abaixo a Univesp" e "abaixo a repressão". Todos eles podem ser pensados como reação a ataques perpetrados pelo movimento conservador em curso. Quem tiver dúvidas que siga adiante com a leitura.

Cortar verbas destinadas à universidade pública atende aos interesses dos setores dominantes por diversos motivos. Vejamos: a precarização dela abre espaço para a indústria do ensino superior privado superá-la (como já acontece nos níveis fundamental e médio). E promove o estrangulamento financeiro de cursos como os proporcionados pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), que, pelo caráter de reflexão crítica sobre a sociedade que eles têm, não interessam ao mercado, cujo interesse é o lucro e não a solução dos problemas das pessoas. Cursos que podem ser "lucrativos", no entanto, como os da Escola Politécnica, têm a oportunidade de fugir da asfixia pulando na canoa furada do financiamento privado. Retira-se a autonomia ou mina-se a qualidade, ou os dois, se pensarmos que qualidade implica autonomia. São enquadrados todos, de uma forma ou de outra, no que espera de nós o Deus Mercado.

Instituir a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) com o discurso de que ela expandirá as vagas da USP para alunos que antes ficavam de fora é uma estratégia enganadora, pois oculta que serão vagas sem qualidade. O ensino à distância pode até ter sua função como complemento à formação ou para casos específicos, mas o programa em questão é destinado à licenciatura em ciências. Como formar um professor que aprende a dar aulas sem as ter antes? É um contra-senso e empurra a educação brasileira para um círculo vicioso que pode levar à instituição dessa modalidade não-presencial em todos os níveis e cursos, com lições e leituras entrecortadas por bate-papos e visitas a sites de relacionamento. Sem falar que isso priva a formação docente da possibilidade de organização, discussão e construção coletiva do conhecimento. É a individualização imposta para conter a união que faz a força. Absurdo, mas útil ao governo do Estado, preocupado em melhorar estatísticas, aumentando o número de professores da rede estadual com diplomas pregados na parede como se isso por si só melhorasse o ensino precário oferecido por José Serra e sua turma.

A entrada da Polícia Militar no campus Butantã da USP encarrega-se de demonstrar a pertinência da luta contra a repressão. Há trinta anos, portanto desde a ditadura (dura, e não branda), isso não ocorria. Contudo, as elites, em especial por meio da chamada "grande mídia", ignoram a gravidade do fato. Defendem, contra os piquetes, o direito de ir e vir previsto na Constituição, como se as catracas que todos os dias condicionam esse direito dos cidadãos ao poder econômico de empresários do setor de transportes não existissem. É a velha história do "para os amigos tudo, para os inimigos a lei".

Quando se verificam as incansáveis tentativas de revisão da história do país, como a criação do neologismo "ditabranda" da Folha de S.Paulo, começa-se a entender melhor alguns porquês. Na ditadura, jornais do grupo Folha funcionavam como sustentáculo do regime. Agora, eles querem ao mesmo tempo limpar seu histórico e legitimar as forças de repressão à esquerda, forças estas que estão dispostos a usar, como têm demonstrado, para garantir uma saída à direita para a atual crise, com a manutenção da ordem e com a conta sendo paga por aqueles que trabalham, enquanto banqueiros e especuladores pegam o banquinho (gentilmente financiados pelo Estado) e saem de mansinho.

Mantém-se, assim, o país longe de experiências de esquerda como as da Venezuela, da Bolívia e do Equador. Durante o governo militar, guerrilheiro virava terrorista na versão da mídia. Hoje, favelado vira traficante, e militante de movimento social, baderneiro e vagabundo. É a imoralidade avançando para desmoralizar quem ainda preserva um pouco de integridade, mesmo que em meio à adversidade.

Outros exemplos poderiam ser citados para demonstrar a articulação das elites para impor o seu projeto de país, que transcende a universidade, como a perseguição ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a inversão de papéis no curso das investigações da Operação Satiagraha, a exposição dada pela mídia ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, espaço maior do que sua função permite e do que sua capacidade intelectual merece etc. etc. etc.

É por tudo isso que o movimento estudantil da USP não pode assistir passivamente a essa ofensiva. O momento exige um enfrentamento com todas as armas de que este dispõe, e ele não pode se dar ao luxo de desperdiçar nenhuma. A conjuntura mudou e uma greve agora não só é justa como também oportuna. Mais estudantes despertaram para a mobilização após a invasão do campus pela PM; o risco que uma greve precipitada representava, de alargar ainda mais o abismo que separa a massa de estudantes daqueles que participam do movimento estudantil, diminuiu. A necessidade, porém, de agir de modo conseqüente permanece. A falta de disputa ideológica nos cursos e o sectarismo podem jogar no colo do conservadorismo muitos estudantes menos envolvidos nos debates.

Para fazer o contraponto a esse movimento reacionário mais amplo, temos de aproximar estudantes diversos, acumular forças e construir a unidade da esquerda para uma greve na universidade que alcance o fim desejado, visto que ela é não um fim em si mesma, mas um meio para algo maior. A hegemonia da direita atrai para ela a mediocridade e força a esquerda a sofisticar sua atuação. Chegou a hora de unir todos aqueles que não desistiram de lutar por dias melhores, sem intrigas entre si. Nenhum centavo a menos para a educação. Abaixo a Univesp e a repressão. Paz entre nós e guerra aos senhores.

Artigo publicado originalmente no Correio da Cidadania, em 11 de junho de 2009.

Chávez e o significado de sua macarronada bolivariana

O ano de 2009 começou de modo atípico. Com o estouro da bolha imobiliária estadunidense no segundo semestre de 2008, deflagrou-se a crise financeira, que mais tarde atingiria também a economia real, sendo considerada a mais grave desde a que eclodiu em 1929. Todos os países, sem exceção, estão sujeitos a pagar caro durante pelo menos este ano e o próximo pela irresponsabilidade da desregulamentação e especulação financeiras. Presidentes buscam combater a crise, implementando medidas de seu ideário, para ao menos atenuar os efeitos dela junto a suas bases de sustentação política.

Na Venezuela, não seria diferente. Não é de hoje que Hugo Chávez afirma estar construindo em seu país o que chama de "socialismo do século XXI". A oposição, venezuelana ou não, nunca levou esse projeto muito a sério, acreditando na tese de que o atual período não passaria de uma aventura e que o país logo voltaria à normalidade. Ou seja, ao bom e velho neoliberalismo. A crise, no entanto, abalou tal vertente há muito dominante, a do famigerado "pensamento único". E, sem querer, abriu novas perspectivas para a esquerda em todo o mundo, a despeito do despreparo que esta tem demonstrado até o presente momento para aproveitar essas oportunidades.

Hugo Chávez, entretanto, foi perspicaz e começou o ano dando prosseguimento a uma agenda nacionalizante na Venezuela. O episódio mais recente foi a ocupação e o anúncio da expropriação da multinacional estadunidense produtora de macarrão Cargill, acusada de descumprir a cota de produção com preço tabelado. Os "especialistas" consultados, liberais nada moderados em sua maioria, atacaram a política chavista de aumento da presença estatal na economia. Eles ainda são do tempo em que a orientação usual apontava para o enxugamento do papel do Estado e para a liberdade total ao setor privado. Deu no que deu, mas a mídia canarinho pouco aprendeu.

O tabelamento de preços existe na Venezuela devido à sua inflação, de cerca de 30% em 2008, a maior da América Latina. A inflação, de modo breve, significa uma alta substancial e continuada no nível geral dos preços, concomitante com a queda do poder aquisitivo do dinheiro. Segundo a explicação liberal, num mercado em que há livre concorrência a inflação existe quando a procura supera a oferta. É a chamada inflação de demanda. Admitamos, a princípio, a validade do pressuposto, deixando momentaneamente de lado a existência dos monopólios.

Para combater a inflação, seria preciso intervir em um dos lados da balança, a fim de restabelecer o equilíbrio entre procura e oferta. Historicamente, governos alinhados ao ideário neoliberal buscaram conter a demanda, implementando a chamada política de metas de inflação, em que crescimento econômico, empregos e salários são sistematicamente sacrificados e reduzidos para domar a inflação dentro da cerca que circunda o centro da meta.

Uma alternativa a isso seria aumentar a oferta, com investimentos em infra-estrutura para a ampliação da chamada capacidade instalada. Assim, seria possível atender à demanda e ainda permitir a abertura de mais vagas de emprego, criando um círculo virtuoso de crescimento econômico capaz de permitir o combate à pobreza e a promoção de justiça social. Um governo socialista, ainda que sob o capitalismo, pode ser caracterizado justamente por esses objetivos: a construção de uma sociedade sem classes, em que não exista pobreza e desigualdade. Nela, os investimentos e a produção estariam a serviço do povo para atender a suas necessidades. Diferentemente do capitalismo, sistema em que os investimentos e a produção estão a serviço da busca pelo lucro, ainda que à custa de um enorme prejuízo social.

Se um governo promove melhoria nas condições de vida de sua população, principalmente nas daquela parcela com pior situação, a procura por produtos no mercado aumenta, notadamente por produtos de primeira necessidade, como comida. Porém, ao mesmo tempo em que a procura aumenta, a oferta estaciona. Os investimentos capitalistas, orientados pela busca de lucro e não pela satisfação das necessidades das pessoas, diminuem. A possibilidade de lucros exorbitantes é ameaçada, logo o capitalista não se arrisca a investir. É coerente que não o faça e esperar o contrário é por demais ingênuo. Sem contar, é claro, o boicote ou sabotagem promovido por uma parcela do empresariado que simplesmente não admite ver seus interesses serem contrariados.

Havíamos deixado de lado até aqui a questão do monopólio. Vamos a ela. Acontece que, no fim do século XIX, após um processo de concentração e centralização do capital, deu-se uma mudança importante no caráter do capitalismo, que passou da livre concorrência para o regime de monopólio, cujo objetivo não é apenas o lucro, mas o lucro máximo (uma vez que ele tem o poder de determinar o preço de mercado das mercadorias). Essa nova qualidade do sistema, que tende a acirrar suas contradições internas, desembocou na crise de 1929. E pariu o que hoje chamamos de capital financeiro (fusão do monopólio industrial e bancário, sob o controle deste último, segundo o economista Rudolf Hilferding), que se consagrou com a busca incessante por lucratividade a partir da década de 1970, passado o incêndio apagado pelo Estado. Daí por diante, deu-se o fenômeno da financeirização da economia.

Deduz-se do que foi apresentado até aqui que, para combater a inflação neste momento de crise e rumar ao socialismo, a Venezuela não tem outra saída a não ser a de estatizar ao menos os setores estratégicos de sua economia no curto e médio prazos. Apesar de todo o ataque da mídia, as nacionalizações de Hugo Chávez são absolutamente coerentes e mostram a sua real disposição de cumprir as promessas que fez, concordemos com elas ou não, situação com a qual brasileiros certamente não estão acostumados. É também oportuno lembrar que o tal capital financeiro incorporou meios de comunicação. Ou seja, a imprensa que brada contra nacionalizações não o faz senão para salvaguardar seus próprios interesses, travestindo-os de interesses do conjunto da sociedade.

Tratar uma questão tão séria com zombarias como a presente na expressão "macarronada bolivariana", termo cunhado em matéria do jornal Folha de S. Paulo (o mesmo que criou a "ditabranda"), não contribui para o debate. O tempo de caça aos comunistas acabou, mas isso não significa que o sonho marxista tenha seguido o mesmo destino. A questão, fosse levada a sério, teria de ser tratada de modo mais claro e objetivo. Estatização não é fim, é meio. Para quê? Para assegurar, no caso, cimento a quem quer construir seu teto e alimentos a quem deseja saciar sua fome. E tudo isso a preços justos. É democratização, e não o contrário, como insinuam alguns pretensos paladinos das liberdades individuais.

A acepção de "macarronada bolivariana", portanto, pode ser entendida unicamente como aquela que chega ao prato de todos, sem distinção de classe, cor, orientação sexual etc. Terrível assim. Ainda que tentem embaralhar os papéis e torcer a realidade para que o exemplo não seja seguido, não podem frear as transformações que de fato vêm ocorrendo em nosso continente, cansado de promessas vãs que não enchem barriga.

Artigo publicado originalmente no Correio da Cidadania, em 27 de maio de 2009.