quarta-feira, 23 de julho de 2008

Crônica do meu Brasil

Ah, Mariana...

Pensei bem se dois dias seriam suficientes para eu poder escrever sobre uma cidade, ainda mais se tratando de Mariana, a primeira capital de Minas Gerais, na época em que o Estado desempenhava o papel também de capital, se não política e oficial, ao menos economicamente falando. Pensei, pensei e, antes que morresse o burro, resolvi escrever. Por que não, uai? Advirto, porém, que as linhas abaixo são apenas a minha impressão. A primeira, haja vista que não tive tempo para uma observação mais acurada e, conseqüentemente, não pude amadurecer as idéias e formar uma opinião sólida.

A cidade, prima pobre da antiga Vila Rica de Albuquerque – hoje Ouro Preto, e já não tão rica assim –, é algo difícil de compreender. Com exceção da zona central, onde talvez habite a pequena elite de Mariana, o restante da cidade, visto por alguns pontos altos, parece composto de comunidades carentes espalhadas pelo morro. Não digo favela, uma vez que as construções são regularizadas e não há barracos, mas casas de alvenaria. Há uma absoluta falta de planejamento, porém, com casas com tijolos expostos ou paredes apenas com o cinza do cimento, sem acabamento... tudo parece ter surgido como surgem os trevos de três folhas nos jardins paulistas. (O de quatro folhas, aquele da sorte, nasce cada vez menos, lá e cá.)

Igrejas extravagantes não faltam, a herança histórica e artística, mais de dois séculos depois, certamente é o que torna a cidade minimamente interessante. Não tive a oportunidade de ver os famosos estudantes da região, que vivem ali devido à Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Pelo jeito simples e aparentemente ignorante de parte significativa da população, pareceu-me que as heranças do obscurantismo barroco transcendem as construções faraônicas remanescentes. Os concorrentes evangélicos, fenômeno religioso mais recente, competem com força, porém com construções menos ousadas. Ou, talvez, com construções com melhor custo-benefício – de fato, são ótimos empreendedores alguns pastores, os “neo-apóstulos” e as tais “bispas” que aterrorizam a sociedade racional. Como fenômeno arquitetônico, todavia, não merecem sequer uma linha: construções sem expressão, demasiado grosseiras, retas e secas. Sem um só vestígio de arte. Não haveria necessidade de reforma substancial para transformar o prédio do culto em casa, açougue ou farmácia.

Para ajudar na confusão que maltrata a vista, há os outdoors, que lá são permitidos. Até porque o maior usuário desse sistema de propaganda é o próprio prefeito, Celso Cotta (PMDB). Que estampa seu rosto em primeiro plano, deixando ao fundo a “percepção artística” de como ficarão suas obras quando concluídas. A obra mais importante? A construção da “Nova Prefeitura”, para que o nobre político exerça a sua função com o máximo de comodidade. Mas, ao contrário do outdoor, a obra está longe de ser concretizada. O que vale mesmo é a propaganda. Afinal, o vice-prefeito, Roque Camilo (PSDB), é candidatíssimo ao pleito municipal de outubro. Se vai ganhar? É provável. Tem a máquina estatal a seu favor e, como oposição, algumas chapas, como a do PV, a do PSOL e a de outras agremiações partidárias de menor expressão. O PT, aparentemente, inexiste. Ou se esconde.

Fernando Morais que me desculpe, mas sua cidade natal deixa muito a desejar. A comida é boa – embora coloquem batata-palha nos lanches com hambúrgueres, parece até que a descobriram recentemente – e as moças, no geral, são bonitas. Mas, de qualquer modo, eu esperava mais. Confesso, porém, que o tempo seco e a poeira de terra espalhada pelo vento atacaram meu sistema respiratório, o que possivelmente pode ter me deixado prematuramente avesso às experiências da viagem. Uma jornada de cerca de dez horas, a partir da capital paulista, capaz de nos transportar diretamente ao Século do Ouro, o XVIII, passando por ruas muito estreitas de paralelepípedos, ladeiras acentuadas e demais construções que abusam do uso de rochas, como se fossem fortalezas. Que hoje protegem apenas a importância histórica da região, tentando impedir a duras penas a decadência aparentemente inevitável de Mariana, que já foi moça e bela um dia.